Um blog em português - e de vez em quando em tétum e em tocodede - sobre os devaneios de um professor e tradutor ilhavense a morar em Timor. Sobre temas timorenses e do Oriente em geral, e sobre outras coisas de vez em quando...
quarta-feira, dezembro 20, 2006
segunda-feira, dezembro 11, 2006
domingo, novembro 26, 2006
Um excelente livro sobre Timor
I don’t want them forgotten: Rosa, Osvaldo, Raoul, Maria, Martinho, Arsenio. It would be easy to say in the glib way of those who can lead uninterrupted lives in placid places that such oblivion would be a fate worse that death. No fate is worse than death.
[Timothy Mo – The redundancy of courage. London, Paddleless Press, 2002, p. 7 (1st ed: Chatto and Windus 1991)]
Não quero que eles sejam esquecidos: Rosa, Osvaldo, Raul, Maria, Martinho, Arsénio. Seria fácil dizer da forma superficial daqueles que podem levar vidas ininterruptas em lugares plácidos que tal esquecimento seria um destino pior que a morte. Nenhum destino é pior que a morte.
[Timothy Mo – A redundância da coragem. Lisboa, Puma Editora, 1992, p. 9]
Ha’u lakohi ema haluha sira: Rosa, Osvaldo, Raul, Maria, Martinho, Arsénio. Sei fasil atu dehan, ho jeitu laseriu hanesan ema ne’ebé hala’o sira-nia moris ho kalma no dame iha fatin hakmatek, katak haluha sira hanesan ne’e sei sai destinu aat liu duké mate. La iha destinu aat liu duké mate.
[Timothy Mo – The redundancy of courage. London, Paddleless Press, 2002, p. 7 – tradusaun ba tetun husi JP Esperança ho Fernanda Correia]
A bra’is atu bligu ro’o: Rosa, Osvaldo, Raul, Maria, Martinho, Arsénio. Heki fasil odi dale, los jeitu tetseriu megees atu mane punsole ro’o-si’i mori los kalma los dame her hati tenega, ke bligu ro’o megees kede’e heki sai destinu klao desi duké mate. Tet dia destinu klao desi duké mate.
[Timothy Mo – The redundancy of courage. London, Paddleless Press, 2002, p. 7 – tradusaun la tokodede pe JP Esperança los Fernanda Correia]
There’s no such thing as a hero – only ordinary people asked extraordinary things in terrible circumstances, and delivering.
[Timothy Mo – The redundancy of courage. London, Paddleless Press, 2002, p. 448 (1st ed: Chatto and Windus 1991)]
Não há uma coisa a que se chama herói – apenas pessoas vulgares pediam coisas extraordinárias em circunstâncias terríveis – e entrega.
[Timothy Mo – A redundância da coragem. Lisboa, Puma Editora, 1992, p. 543]
Os heróis não existem – apenas pessoas vulgares a quem são pedidas coisas extraordinárias em circunstâncias terríveis, e que as fazem.
[Timothy Mo – The redundancy of courage. London, Paddleless Press, 2002, p. 448 – a tradução para português é minha]
Buat ida naran erói la eziste – iha de’it ema baibain ne’ebé tenke halo buat estraordináriu iha situasaun aat tebetebes, maibé konsege halo duni.
[Timothy Mo – The redundancy of courage. London, Paddleless Press, 2002, p. 448 – tradusaun ba tetun husi JP Esperança ho Fernanda Correia]
Lapar iso gala erói tet eziste – dia mesa atu normál mane tenke punu lapar estraordináriu her situasaun klao lobaloba, mas konsege punu riko.
[Timothy Mo – The redundancy of courage. London, Paddleless Press, 2002, p. 448 – tradusaun la tokodede pe JP Esperança los Fernanda Correia]
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terça-feira, novembro 14, 2006
quinta-feira, novembro 09, 2006
Blogosfera, conspirações e artes marciais
A crise, a blogosfera e a liberdade de expressão
Há um blog que se destacou especialmente durante o período mais agudo da crise recente em Timor, pelo número de visitas e porque, não obstante a sua não escondida parcialidade (anti-Austrália, anti-Xanana, anti-Ramos Horta, anti-Igreja timorense), teve um papel muito importante nos dias de caos nas ruas, há alguns meses atrás, quando a capital vivia a ferro e fogo. Era ao “Timor-Online” que recorríamos para saber que supermercado tinha a porta entreaberta para vender produtos essenciais quando todo o comércio estava fechado a sete chaves, era neste blog que líamos a cobertura mais actualizada do que ia acontecendo (também cheguei a participar umas quantas vezes com pequenas informações do que ia vendo por aí: “evitem a área tal porque está neste momento sob ataque”, “no sítio tal estão uns tipos com armas”, “os australianos já chegaram e andam a passear os tanques e a posar para a fotografia em frente ao Hotel Timor”). Depois, à medida que a situação foi acalmando e se começou a caminhar para a normalidade, o blog perdeu essa dimensão que era o seu aspecto mais interessante, mas continuo a espreitar de vez em quando o que lá se diz, principalmente porque, apesar das opiniões facciosas das pessoas que o fazem, os comentários são um interessante espaço de debate onde podemos ler as outras opiniões sobre o que por cá se vai passando.
Há dias dizia-se lá que tinha havido ameaças de morte contra os promotores do blog, o que é preocupante. Podemos não concordar com as opiniões da pessoa que se esconde no anonimato do pseudónimo Malai Azul, mas a liberdade de expressão é um direito inatacável. Quando eu tive um período de alguma actividade num grupo da Amnistia Internacional em Lisboa, no tempo do saudoso José Manuel Cabral – um valoroso amigo que nos deixou demasiado cedo – a A.I. vendia umas camisolas de manga curta com uma frase de Voltaire: “Posso não concordar com o que estás a dizer, mas defenderei até à morte o teu direito de o dizeres”. Seria muito bom se fossem feitos uns milhares de camisolas dessas para distribuir cá em Timor.
As artes marciais têm culpa da crise?
Apareceu há pouco tempo na imprensa a notícia de um relatório encomendado pelos australianos, onde se falava de possíveis ligações de grupos de artes marciais a partidos políticos aqui em Timor, e sobre o papel desses grupos na instabilidade no país. Não li o relatório, pelo que não posso pronunciar-me sobre o seu mérito, mas algumas notícias tinham um tom alarmista, muito distante da realidade, e por vezes traziam uma lista de organizações e respectiva suposta filiação. Parte das organizações da tal lista não têm nada a ver com artes marciais nem com grupos de jovens. A CPD-RDTL, por exemplo, é uma estrutura dissidente da Fretilin com grupos organizados por todo o país, entre a população rural principalmente, que se tem destacado pela rejeição da actual Constituição (defendiam – não sei se continuam a fazê-lo – que só a Constituição da Fretilin de 1975, de partido único, marxista-leninista, era válida). Também rejeitavam a transformação das Falintil em FDTL, e o Governo liderado por Mari Alkatiri, e várias outras coisas do actual Estado leste-timorense – diziam por vezes nos jornais que tudo isto era criação dos malais da ONU. Tinham uma postura pública bastante visível na época da UNTAET e nos primeiros tempos da independência, mas ultimamente não se tem ouvido falar tanto deles.
Os malais lunáticos que todos os dias aparecem com uma nova teoria da conspiração, onde aumenta o número e variedade dos conspiradores, ficaram eufóricos e vieram logo para os seus blogs e para as mesas do bar do Hotel Timor explicar a quem os quisesse ouvir como as escolas de artes marciais junto com os partidos da oposição estavam por detrás da onda de violência e ajustes de contas que tem assolado Timor. Ignoraram sistematicamente (não colocando negrito, não mencionando nos títulos – que eram do género “O que a Comissão de Inquérito da ONU escondeu”) a parte das notícias que referia que: «uma das conclusões chave do relatório é que centenas de pequenos grupos de jovens estão "a tentar, de maneiras diferentes mas positivas, engajarem-se e unificarem as suas comunidades " ».
Insistiam numa suposta ligação da PSHT – Persaudaraan Setia Hati Terate (Irmandade do Coração Leal da Flor-de-Lótus) aos dois principais partidos da oposição. Não mencionavam a ligação oficial e assumida publicamente do KORKA (Kmanek Oan Rai Klaran) à Fretilin. Quando o KORKA aderiu à Fretilin Xanana Gusmão e outros manifestaram publicamente a sua apreensão, perguntando se era intenção deste partido passar a dispôr de uma milícia privada. Tinham presente o exemplo da Indonésia onde Prabowo Subianto tinha tentado usar algumas organizações de pencak silat como uma extensão do partido do Governo, GOLKAR. Prabowo promoveu mesmo o estabecimento de uma nova organização, os Satria Muda Indonesia (Jovens Cavaleiros da Indonésia), que tinha uma relação de total promiscuidade com os Kopassus, e que foi activamente implantada por ele também aqui em Timor. Também a PSHT foi promovida por elementos dos Kopassus aqui em Timor-Leste, provavelmente por ser considerada mais um elemento de “indonesificação” da juventude local, mas contrariamente à SMI a PSHT tinha uma história quase centenária e tradições espirituais bastante mais profundas do que os partidarizados Satria Muda Indonesia. Provavelmente é por isso que, como nota Ian Douglas Wilson em The Politics of Inner Power: The Practice of Pencak Silat in West Jawa, a PSHT continua normalmente a sua actividade no novo país independente (como noutros: França, Holanda, Rússia, etc...) enquanto a SMI desapareceu com a saída dos indonésios (e parece que muitos SMI estiveram activos nas milícias em 1999). Perante as críticas por a Fretilin ter acolhido uma organização de artes marciais no partido, Mari Alkatiri disse que era sua intenção disciplinar a actividade dos jovens do Korka. A entrada para o partido no poder parece não ter provocado grandes alterações nas actividades públicas do Korka, continuaram a aparecer ocasionalmente pequenos episódios de porrada entre membros dessa organização e de outras – como é habitual em Timor – mas eu pessoalmente não tenho conhecimento de situações em que o Korka tenha agido como uma milícia ou aparecido enquanto estrutura nos conflitos dos últimos meses.
As organizações de artes marciais, enquanto estruturas organizadas a nível nacional, não tiveram um papel relevante no aparecimento e desenvolvimento da crise, nem na violência que esta trouxe. A violência de rua é baseada primordialmente na discriminação recente entre gente de lorosa’e e de loromonu, e os episódios de feridos ou mortos entre estilos de artes marciais não são uma coisa nova causada pela crise, mas sim a continuação de inimizades antigas que encontram na presente tensão social (e clima de impunidade) um espaço adequado para a sua actualização. As organizações de artes marciais não estão implantadas no território por zonas geográficas ou grupos etno-linguísticos. A PSHT, por exemplo, tem grupos de treino espalhados e implantados por todos os distritos de Timor-Leste (olhe à sua volta, procure grafítis que digam “SH” ou “Terate” ou com o desenho de um coração com raios à volta), e não está de maneira nenhuma partidarizada (fazem parte da organização pessoas de todos os quadrantes políticos e sociais timorenses, da Fretilin, da oposição e apartidários). A ideia de que a PSHT enquanto organização pudesse ter alguma coisa a ver com a promoção do divisionismo geográfico em Timor é completamente ridícula, os “irmãos” que dela fazem parte acreditam que devem ser solidários entre si e que sofrerão uma retaliação sobrenatural (do tipo ficar gravemente doente, p.ex.) se fizerem mal a outro “irmão” (saudara), independentemente do lugar do país (ou do mundo) onde ele nasceu.
Tavez a única organização de artes marciais que pudesse ser caracterizada como tendo um pendor mais regional fosse precisamente o Korka, embora também aí haja membros das várias zonas do país, porque a referência a “Rai Klaran” remete para as montanhas da região central de Timor-Leste, em volta do Tata Mai Lau, e porque se diz que o estilo nasceu em Ainaro. Mas não me consta que tenha havido durante o seu desenvolvimento nenhuma espécie de discriminação dos candidatos a praticantes (o FCP em Portugal é um clube do Norte mas há portistas e jogadores do Porto que são do Sul...). São outras as razões porque aparecem insígnias das organizações de artes marciais nas situações de violência. Estes sistemas tradicionais de combate têm as suas escolas espalhadas pelos bairros, em pátios, quintais e clareiras; quando a discriminação entre gente de leste e de oeste ficou ao rubro, os que eram o grupo em minoria no bairro onde moravam fugiram ou foram expulsos, de forma que muitos bairros ficaram só com o grupo maioritário. Nos confrontos frequentes que houve nos últimos meses os grupos de prática de artes marciais que treinam em cada bairro colocaram-se naturalmente na linha da frente da “protecção do bairro”, daí que apareçam os seus símbolos e os seus membros nas cenas de pancadaria. E quando há algum ferido ou morto o “espírito de corpo” torna-se ainda mais forte no grupo. Há dias as imagens no telejornal da RTTL do funeral de um membro dos Kera Sakti (a quem os familiares enlutados diziam que tinha sido decepada a cabeça depois de ter desaparecido a caminho da universidade em que se ia inscrever) mostravam muitos jovens a acompanhar a cerimónia vestidos com o uniforme deste estilo de kung fu. Há uns meses, também no telejornal local, numa reportagem sobre armamento apreendido pelas forças internacionais via-se na coronha de uma das armas o desenho das insígnias da PSHT. Antes que os malucos azuis comecem a disparatar a gritar “conspiração!” é bom esclarecer que há muitos “irmãos” praticantes de Setia Hati quer na PNTL quer nas FDTL, e que houve vários lugares em Díli em que, quando em 25 de Maio a tropa atacou o quartel da PNTL, os polícias que aí estavam de serviço despiram a farda e abandonaram as armas que tinham, para poderam fugir incógnitos. Seria absurdo querer tirar ilações sobre “conspirações” a partir de um desenho feito por um miúdo qualquer. No excelente documentário de Carmela Baranowska, "Scenes from an occupation", sobre o período de violência das milícias antes do referendo de 1999, também há um jovem activista do CNRT com uma camisola de membro da PSHT. A Mocidade Portuguesa, uma organização controlada ideologicamente pelo Estado Novo de Salazar, ensinava judo em Timor, porém seria estúpido dizer que o judo e o Kodokan são salazaristas; o Presidente russo Vladimir Putin é um judoca conhecido, seria incorrecto considerar que isso é a mesma coisa que dizer que o Judo está partidarizado na Rússia.
Em Portugal no tempo em que o jogo do pau era popular como as artes marciais aqui agora
Como sempre que se fala em violência em Timor aparecem uns quantos malais iluminados a sentir-se superiores por virem de países onde “nunca há porrada e toda a gente vive numa harmonia social perfeita” (antes fosse!), é bom lembrar pelo menos como eram as coisas há uns tempos nessas terras. Na Austrália havia caça organizada ao aborígene. Em Portugal era assim há umas décadas:
“Podemos dizer o mesmo – mas com mais certeza – das manifestações de violência que, por volta dos anos 20 e 30, acompanhavam geralmente as romarias e, mais concretamente, delas faziam parte ritual.
Não nos referimos só às disputas entre jovens que podem ter origem em rivalidades amorosas, sobretudo quando os rivais pertencem a grupos territoriais diferentes (717), nem às frequentes brigas provocadas pelo vinho (718). Eram outrora comuns e hoje não são raras (719). Referimo-nos, sim, a verdadeiras guerras entre aldeias, que explodiam, quase sistematicamente, no decurso das romarias e suficientemente recentes para que os velhos se lembrem de nelas terem participado e os mais jovens de a elas terem assistido. Se os velhos que entrevistámos são pouco loquazes relativamente aos aspectos sexuais da festa no tempo da sua juventude, os seus testemunhos são, pelo contrário, constantes e explícitos e as emoções ainda bastante vivas no que diz respeito a estas batalhas, permitindo-nos assim considerá-las como parte integrante da romaria. O pároco de Baçal relata fielmente alguns exemplos do fim do século XIX e princípios do século XX: alguns duraram um dia e uma noite, outros saldaram-se por mortos e dezenas de feridos (720). O pároco de Foz Côa mostra a inserção ritual e o desenrolar esperado e estereotipado destas batalhas na romaria da sua paróquia, até uma época mais recente. A naturalidade com que refere a continuação jovial do arraial, imediatamente após a separação dos adversários pela polícia e o transporte dos feridos (ou eventualmente dos mortos), mostra bem o carácter inelutável e sistemático desta fase da peregrinação (721). De alguma forma também este sangue fazia parte da festa.
(...)
As descrições detalhadas que recolhemos directamente dos actores de outrora centram-se na rivalidade entre aldeias (722). Antigas discórdias por vezes não resolvidas: «Discutiremos isso na romaria», velhos ressentimentos herdados de outra geração e que determinam uma agressividade latente, solidariedade entre os jovens «que começaram», ou então, muito simplesmente, recusa de aceitar uma humilhação ou uma injúria imediata... todos estes motivos podem conjugar-se – e ligar-se em torno de uma fatalidade própria da romaria – num fundo de hostilidade e de alianças tradicionais de que já não se sabe a origem. (...) Uma oração de joelhos, depois, agitando ameaçadoramente os cajados, um grito: «Viva Tinalhas!» (...) E era então que frequentemente estalava a briga. Entre homens. A pau e pedra. (...) Extremavam-se os campos, sempre os mesmos: Salgueiros e Póvoa de um lado, Juncal, Freixial e Tinalhas do outro (724).
(...)
Os antigos combatentes estão de acordo acerca dos factores desta evolução que puseram termo às guerras de aldeias: a escola, a Guarda Nacional [Republicana], os sermões do pároco «quando ele é bom...». “ in Pierre Sanchis – Arraial: Festa de um Povo – as romarias portuguesas. Lisboa, Publicações D. Quixote, 1992, 2ªed, p. 175-177
Ou ainda:
Ernesto Veiga de Oliveira - Festividades Cíclicas em Portugal. Lisboa, Publicações D. Quixote, 1984, pp.323-324 (Citado em O jogo-do-pau como representação de estatuto e hierarquia nas sociedades tradicionais): “E era o «varrer» da feira ou do terreiro, refregas épicas, verdadeiras lutas campais, de paus que cruzavam no ar, no furor das pancadas, num jogo largo de feira ou «varrimento» (...), entre nuvens de pó, no meio da gritaria das mulheres que fugiam em todas as direcções”.
O assunto também foi tratado por autores de ficção que retratavam nos seus romances a sociedade daquele tempo. Transcrevem-se de seguida alguns excertos de Terras do Demo [ Aquilino RIBEIRO - Terras do Demo. Lisboa, Círculo de Leitores, 1983] :
“(...) -Eh, rapaziada da Seitosa - disse ele -, então que febre vos fazem as vacas?
-Ainda aí apareces, filho de sete curtas!? - increpou o Zé Narciso. - Vais pagar o descaramento...
E à mão tente despediu-lhe o lodo à nuca. O Brás aparou a pancada no ombro e respondeu-lhe com uma chuçada valente do sombreiro à arca do peito.
O outro pulou e, trás, trás, só deixou de bater pela cabeça, pelos braços, pelo corpo todo, quando o viu estrumado por terra, a roncar.
O Espadagão vinha com uma enxada para lhe britar a cabeça, mas o Cláudio vendeiro deitou-lhe o gadanho e o golpe foi quebrar-se nas costelas:
- Conho, em homem no chão não se dá! (...) [pág. 134]
Passavam maltas, de varapau a estreloiçar contra varapau, varrendo nas arrecuas do batuque o terreiro coalhado de gentiaga: Viva Lamosa! (...) [pág. 136]
Entre eles nem ficava chão para cair um alfinete. E por entre estes e as vareiras, as maltas e ranchos cavalavam. Lá rompia Granjal de lodo no ar, tau-tau, viva a rusga! (...)
Aí disparava um cavaleiro, todo farófia, chapéu de aba larga, pau de choupa entalado debaixo da perna:
- Olá, gentes, abram passagem!
Bem arreada besta, crinas rentes, franjas na retranca, rifadora por de mais. O ar dele era rebentio, com a pinta de rico, e o poviléu apartava-se à banda. Mas lá desembocava outra malta:
- Viva Tabosa!
- Viva!
- Viva até que morra!
E arremetia por ali dentro, aos safanões, ó cetrás, em borborinhos de poeira, num zafarrancho de mil demónios. (...) [pág. 241]
- Foge! Foge! - exclamou a Zabana para Glorinhas diante dum roldão de caceteiros em enovelada correria.
Eram as maltas do Granjal e da Vila da Ponte que se acometiam, naquela sua inveterada rixa de povos fronteiriços e forçudos. Emborcando tarimbas do negócio e trilhando os dorminhões, acossado pelo estreloiçar dos paus, o poviléu varreu às bandas.
Glorinhas e a Zabana meteram para a porta do santuário, em que uma onda medrosa se atropelava. A espaldas delas, retiniam pragas, gemidos e gritos de aqui-d’el-rei. Mas acudia a tropa e os desordeiros tresmalhavam a pés de cavalo. Curioso, o povo refluía sobre o lugar da refrega, que durara o tempo dum credo. Escabujava no chão homem ferido, se não morto, e vozes de mulher gemiam, testemunhando a justiça do céu e da terra. (...) [pág. 257]
Se nas primeiras décadas do séc. XX houvesse malucos azuis e um blog “Portugal-Online” ser-nos-ia naturalmente aí explicado que a cacetada da velha que havia nas aldeias portuguesas existia precisamente por causa de uma conspiração organizada pelos espanhóis, pelo Presidente Bernardino Machado, pelos monárquicos e pela Nossa Senhora de Fátima.
Defensores do bairro
Disseram-me (não sei se é verdade, porque não fui verificar pessoalmente) que no Bairro de Bemôri os velhos continuam a jogar às cartas com os vizinhos como antigamente sem se preocuparem com a origem geográfica de cada um, e que os jovens da área sempre estiveram unidos para defender o bairro no tempo em que ainda havia o caos nas ruas. Talvez seja por isso que o lugar tem a reputação de ser um dos mais calmos de Díli. Muitos dos bairros mais problemáticos são precisamente aqueles de onde parte da população foi escorraçada por ter nascido noutra metade do país. Muitos dos jovens apanhados em zaragatas pelas forças internacionais desculpam-se dizendo que estavam só a defender o bairro. Eu sou céptico em relação aos jovens que se juntam dizendo que estão a defender-se de ataques exteriores se no bairro a que eles pertencem as casas tiverem as paredes cheias de grafítis racistas e xenófobos. Porque esses comentários são escritos precisamente pelos jovens do bairro. Há inclusivamente uma pressão intensa sobre os jovens sossegados que não se querem meter em conflitos para virem também para a rua andar à porrada, em vez de chamarem a polícia e ficarem quietos em casa – os rufias e arruaceiros de cada bairro são nessas situações promovidos de repente à categoria de heróis vigilantes. Os polícias e militares internacionais têm endurecido o tom de voz nos apelos à população, explicando que qualquer pessoa apanhada num cenário de conflito na posse de flechas de Amboíno (rama-Ambon), lanças e, claro, armas de fogo, será imediatamente presa – como explicava em tétum na RTTL o simpático militar australiano porta-voz da tropa do país dele, com certeza ninguém pensa ir caçar nas ruas da capital. É que se a catana é aqui uma ferramenta multi-usos que existe em todas as casas as flechas de Amboino são armas perversas de destruição que não têm outra utilidade que não seja fazer mal às pessoas.
Até há cerca de uma semana quase todos os dias havia pedrada entre dois grupos de jovens, na estrada para Comoro, um de cada lado da via, na zona perto do mercado. Quando os rapazes estavam mais entusiasmados tínhamos que esperar um bocado ali parados ou ir por um caminho alternativo, quando eles estavam mais bem dispostos e as pedradas eram só para para não perder a prática, eles paravam de atirar pedras uns aos outros e faziam-nos sinal para passarmos. Há um ou dois meses, em dois seguidos, tive oportunidade de assistir de um edifício alto a confrontos na zona de Caicôli, envolvendo muitas dezenas de jovens – assim que alguém começava a bater num ferro a dar o alarme via-se os miúdos (e miúdas!) a correr das casas e quintais para a estrada apanhando pedras, paus, canos de ferro, etc, e depois avançavam e recuavam enfrentando o outro grupo, no meio de gritos e risadas. Alguns e algumas não teriam mais de doze anos. Um que levou uma pedrada numa perna foi gozado pelos colegas que estavam ao lado dele. Fez-me lembrar das “guerras de torrões de areia” que fazia às vezes com os meus amigos quando era criança. Nem sempre os confrontos são assim, alguns são bastante mais graves.
Em Timor-Leste há uma cultura de impunidade, está espalhada na sociedade a ideia de que os que cometem crimes não terão de responder por eles num tribunal. Isso é desde logo uma herança do tempo da ocupação indonésia, e também da facilidade com que os organizadores da violência de 1999 escaparam à justiça devido à necessidade de o novo Estado manter boas relações com a Indonésia. A Igreja Católica foi inexcedível no apoio aos deslocados da crise desde o primeiro momento e está a ter actualmente um papel extremamente positivo nos esforços de pacificação das comunidades, mas na altura da manifestação da Igreja contra o Governo em 2005 – quando muitos manifestantes se fartaram de usar slogans e cartazes com mensagens racistas e de intolerância religiosa – perdeu uma boa oportunidade de lançar uma campanha de educação para a tolerância a nível nacional. Quando numa noite nessa altura dois portugueses e um polícia foram sequestrados na residência do Bispo de Díli e espancados, o Padre Maubere apareceu na televisão a dizer que era normal que os jovens tivessem tido tal atitude porque estavam nervosos por as suas reivindicações não serem ouvidas. Que eu saiba não houve ninguém julgado e condenado por rapto e tortura na sequência desse caso. Em 4 de Dezembro de 2002 houve confrontos graves e muita destruição na cidade de Díli, os culpados também nunca foram julgados e condenados. Há quem faça apelos à violência nos jornais sem qualquer consequência.
Apesar de tudo a situação tem vindo a melhorar francamente, já há esquadras permanentes da polícia da ONU em alguns lugares de Díli, os polícias já andam por aí a fazer patrulhas a pé e acompanhados de agentes da PNTL... Há diariamente na RTTL um espaço de antena para a UNPOL e os militares australianos onde se comenta a lista de casos de polícia do dia (que têm vindo a diminuir), para que a população seja informada com objectividade sobre as ocorrências relativas a problemas de segurança, em vez de ouvir os boatos que por cá correm (e o tom alarmista de certos blogues que dizem que “Eles andem aí!!”). Continua no entanto a existir um clima de medo e de suspeição mútua no seio das comunidades. Algumas acções de criminosos xenófobos durante o último mês, como entrar numa microlete com uma faca à procura de gente de leste, ou esperar no caminho de ida para uma escola e mandar as crianças nascidas no oriente voltarem para casa, reforçaram esses receios. Em Díli não é preciso fazer uma coisa dessas muitas vezes, basta um único incidente para que no dia seguinte toda a gente fale disso e vá “acrescentando um ponto”. Também já há menos deslocados nos campos, mas muitos dos que aí estão continuam com medo não do “lobo mau” mas dos próprios vizinhos.
Nas ruelas interiores dos bairros continua a haver grupos de moços que se sentam em convívio à noite, às vezes com um jerrican de vinho de palma ou aguardente para animar os espíritos. Já antes se fazia, e tocava-se viola e cantavam-se umas cantigas; agora contam-se histórias de valentia - real ou de fanfarronice - contra “os outros”, a UNPOL em geral, a GNR... Não acredito que os australianos estejam cá só pelos lindos olhos dos timorenses, naturalmente têm a sua própria agenda. Mas o que não ajuda nada para a resolução da situação é fomentar os receios do povo com histórias sobre “bichos-papões”, como faz o “Timor-Online”, em vez de apelar a que as comunidades deixem de seguir as maçãs podres que existem no seu seio, e a que tomem a paz nas suas próprias mãos. É preciso dizer que o António, ou Manuel, ou Zé, que andem com uma catana a ameaçar pessoas são criminosos, no lugar de dizer que são sempre outros os maus.
Há um blog que se destacou especialmente durante o período mais agudo da crise recente em Timor, pelo número de visitas e porque, não obstante a sua não escondida parcialidade (anti-Austrália, anti-Xanana, anti-Ramos Horta, anti-Igreja timorense), teve um papel muito importante nos dias de caos nas ruas, há alguns meses atrás, quando a capital vivia a ferro e fogo. Era ao “Timor-Online” que recorríamos para saber que supermercado tinha a porta entreaberta para vender produtos essenciais quando todo o comércio estava fechado a sete chaves, era neste blog que líamos a cobertura mais actualizada do que ia acontecendo (também cheguei a participar umas quantas vezes com pequenas informações do que ia vendo por aí: “evitem a área tal porque está neste momento sob ataque”, “no sítio tal estão uns tipos com armas”, “os australianos já chegaram e andam a passear os tanques e a posar para a fotografia em frente ao Hotel Timor”). Depois, à medida que a situação foi acalmando e se começou a caminhar para a normalidade, o blog perdeu essa dimensão que era o seu aspecto mais interessante, mas continuo a espreitar de vez em quando o que lá se diz, principalmente porque, apesar das opiniões facciosas das pessoas que o fazem, os comentários são um interessante espaço de debate onde podemos ler as outras opiniões sobre o que por cá se vai passando.
Há dias dizia-se lá que tinha havido ameaças de morte contra os promotores do blog, o que é preocupante. Podemos não concordar com as opiniões da pessoa que se esconde no anonimato do pseudónimo Malai Azul, mas a liberdade de expressão é um direito inatacável. Quando eu tive um período de alguma actividade num grupo da Amnistia Internacional em Lisboa, no tempo do saudoso José Manuel Cabral – um valoroso amigo que nos deixou demasiado cedo – a A.I. vendia umas camisolas de manga curta com uma frase de Voltaire: “Posso não concordar com o que estás a dizer, mas defenderei até à morte o teu direito de o dizeres”. Seria muito bom se fossem feitos uns milhares de camisolas dessas para distribuir cá em Timor.
As artes marciais têm culpa da crise?
Apareceu há pouco tempo na imprensa a notícia de um relatório encomendado pelos australianos, onde se falava de possíveis ligações de grupos de artes marciais a partidos políticos aqui em Timor, e sobre o papel desses grupos na instabilidade no país. Não li o relatório, pelo que não posso pronunciar-me sobre o seu mérito, mas algumas notícias tinham um tom alarmista, muito distante da realidade, e por vezes traziam uma lista de organizações e respectiva suposta filiação. Parte das organizações da tal lista não têm nada a ver com artes marciais nem com grupos de jovens. A CPD-RDTL, por exemplo, é uma estrutura dissidente da Fretilin com grupos organizados por todo o país, entre a população rural principalmente, que se tem destacado pela rejeição da actual Constituição (defendiam – não sei se continuam a fazê-lo – que só a Constituição da Fretilin de 1975, de partido único, marxista-leninista, era válida). Também rejeitavam a transformação das Falintil em FDTL, e o Governo liderado por Mari Alkatiri, e várias outras coisas do actual Estado leste-timorense – diziam por vezes nos jornais que tudo isto era criação dos malais da ONU. Tinham uma postura pública bastante visível na época da UNTAET e nos primeiros tempos da independência, mas ultimamente não se tem ouvido falar tanto deles.
Os malais lunáticos que todos os dias aparecem com uma nova teoria da conspiração, onde aumenta o número e variedade dos conspiradores, ficaram eufóricos e vieram logo para os seus blogs e para as mesas do bar do Hotel Timor explicar a quem os quisesse ouvir como as escolas de artes marciais junto com os partidos da oposição estavam por detrás da onda de violência e ajustes de contas que tem assolado Timor. Ignoraram sistematicamente (não colocando negrito, não mencionando nos títulos – que eram do género “O que a Comissão de Inquérito da ONU escondeu”) a parte das notícias que referia que: «uma das conclusões chave do relatório é que centenas de pequenos grupos de jovens estão "a tentar, de maneiras diferentes mas positivas, engajarem-se e unificarem as suas comunidades " ».
Insistiam numa suposta ligação da PSHT – Persaudaraan Setia Hati Terate (Irmandade do Coração Leal da Flor-de-Lótus) aos dois principais partidos da oposição. Não mencionavam a ligação oficial e assumida publicamente do KORKA (Kmanek Oan Rai Klaran) à Fretilin. Quando o KORKA aderiu à Fretilin Xanana Gusmão e outros manifestaram publicamente a sua apreensão, perguntando se era intenção deste partido passar a dispôr de uma milícia privada. Tinham presente o exemplo da Indonésia onde Prabowo Subianto tinha tentado usar algumas organizações de pencak silat como uma extensão do partido do Governo, GOLKAR. Prabowo promoveu mesmo o estabecimento de uma nova organização, os Satria Muda Indonesia (Jovens Cavaleiros da Indonésia), que tinha uma relação de total promiscuidade com os Kopassus, e que foi activamente implantada por ele também aqui em Timor. Também a PSHT foi promovida por elementos dos Kopassus aqui em Timor-Leste, provavelmente por ser considerada mais um elemento de “indonesificação” da juventude local, mas contrariamente à SMI a PSHT tinha uma história quase centenária e tradições espirituais bastante mais profundas do que os partidarizados Satria Muda Indonesia. Provavelmente é por isso que, como nota Ian Douglas Wilson em The Politics of Inner Power: The Practice of Pencak Silat in West Jawa, a PSHT continua normalmente a sua actividade no novo país independente (como noutros: França, Holanda, Rússia, etc...) enquanto a SMI desapareceu com a saída dos indonésios (e parece que muitos SMI estiveram activos nas milícias em 1999). Perante as críticas por a Fretilin ter acolhido uma organização de artes marciais no partido, Mari Alkatiri disse que era sua intenção disciplinar a actividade dos jovens do Korka. A entrada para o partido no poder parece não ter provocado grandes alterações nas actividades públicas do Korka, continuaram a aparecer ocasionalmente pequenos episódios de porrada entre membros dessa organização e de outras – como é habitual em Timor – mas eu pessoalmente não tenho conhecimento de situações em que o Korka tenha agido como uma milícia ou aparecido enquanto estrutura nos conflitos dos últimos meses.
As organizações de artes marciais, enquanto estruturas organizadas a nível nacional, não tiveram um papel relevante no aparecimento e desenvolvimento da crise, nem na violência que esta trouxe. A violência de rua é baseada primordialmente na discriminação recente entre gente de lorosa’e e de loromonu, e os episódios de feridos ou mortos entre estilos de artes marciais não são uma coisa nova causada pela crise, mas sim a continuação de inimizades antigas que encontram na presente tensão social (e clima de impunidade) um espaço adequado para a sua actualização. As organizações de artes marciais não estão implantadas no território por zonas geográficas ou grupos etno-linguísticos. A PSHT, por exemplo, tem grupos de treino espalhados e implantados por todos os distritos de Timor-Leste (olhe à sua volta, procure grafítis que digam “SH” ou “Terate” ou com o desenho de um coração com raios à volta), e não está de maneira nenhuma partidarizada (fazem parte da organização pessoas de todos os quadrantes políticos e sociais timorenses, da Fretilin, da oposição e apartidários). A ideia de que a PSHT enquanto organização pudesse ter alguma coisa a ver com a promoção do divisionismo geográfico em Timor é completamente ridícula, os “irmãos” que dela fazem parte acreditam que devem ser solidários entre si e que sofrerão uma retaliação sobrenatural (do tipo ficar gravemente doente, p.ex.) se fizerem mal a outro “irmão” (saudara), independentemente do lugar do país (ou do mundo) onde ele nasceu.
Tavez a única organização de artes marciais que pudesse ser caracterizada como tendo um pendor mais regional fosse precisamente o Korka, embora também aí haja membros das várias zonas do país, porque a referência a “Rai Klaran” remete para as montanhas da região central de Timor-Leste, em volta do Tata Mai Lau, e porque se diz que o estilo nasceu em Ainaro. Mas não me consta que tenha havido durante o seu desenvolvimento nenhuma espécie de discriminação dos candidatos a praticantes (o FCP em Portugal é um clube do Norte mas há portistas e jogadores do Porto que são do Sul...). São outras as razões porque aparecem insígnias das organizações de artes marciais nas situações de violência. Estes sistemas tradicionais de combate têm as suas escolas espalhadas pelos bairros, em pátios, quintais e clareiras; quando a discriminação entre gente de leste e de oeste ficou ao rubro, os que eram o grupo em minoria no bairro onde moravam fugiram ou foram expulsos, de forma que muitos bairros ficaram só com o grupo maioritário. Nos confrontos frequentes que houve nos últimos meses os grupos de prática de artes marciais que treinam em cada bairro colocaram-se naturalmente na linha da frente da “protecção do bairro”, daí que apareçam os seus símbolos e os seus membros nas cenas de pancadaria. E quando há algum ferido ou morto o “espírito de corpo” torna-se ainda mais forte no grupo. Há dias as imagens no telejornal da RTTL do funeral de um membro dos Kera Sakti (a quem os familiares enlutados diziam que tinha sido decepada a cabeça depois de ter desaparecido a caminho da universidade em que se ia inscrever) mostravam muitos jovens a acompanhar a cerimónia vestidos com o uniforme deste estilo de kung fu. Há uns meses, também no telejornal local, numa reportagem sobre armamento apreendido pelas forças internacionais via-se na coronha de uma das armas o desenho das insígnias da PSHT. Antes que os malucos azuis comecem a disparatar a gritar “conspiração!” é bom esclarecer que há muitos “irmãos” praticantes de Setia Hati quer na PNTL quer nas FDTL, e que houve vários lugares em Díli em que, quando em 25 de Maio a tropa atacou o quartel da PNTL, os polícias que aí estavam de serviço despiram a farda e abandonaram as armas que tinham, para poderam fugir incógnitos. Seria absurdo querer tirar ilações sobre “conspirações” a partir de um desenho feito por um miúdo qualquer. No excelente documentário de Carmela Baranowska, "Scenes from an occupation", sobre o período de violência das milícias antes do referendo de 1999, também há um jovem activista do CNRT com uma camisola de membro da PSHT. A Mocidade Portuguesa, uma organização controlada ideologicamente pelo Estado Novo de Salazar, ensinava judo em Timor, porém seria estúpido dizer que o judo e o Kodokan são salazaristas; o Presidente russo Vladimir Putin é um judoca conhecido, seria incorrecto considerar que isso é a mesma coisa que dizer que o Judo está partidarizado na Rússia.
Em Portugal no tempo em que o jogo do pau era popular como as artes marciais aqui agora
Como sempre que se fala em violência em Timor aparecem uns quantos malais iluminados a sentir-se superiores por virem de países onde “nunca há porrada e toda a gente vive numa harmonia social perfeita” (antes fosse!), é bom lembrar pelo menos como eram as coisas há uns tempos nessas terras. Na Austrália havia caça organizada ao aborígene. Em Portugal era assim há umas décadas:
“Podemos dizer o mesmo – mas com mais certeza – das manifestações de violência que, por volta dos anos 20 e 30, acompanhavam geralmente as romarias e, mais concretamente, delas faziam parte ritual.
Não nos referimos só às disputas entre jovens que podem ter origem em rivalidades amorosas, sobretudo quando os rivais pertencem a grupos territoriais diferentes (717), nem às frequentes brigas provocadas pelo vinho (718). Eram outrora comuns e hoje não são raras (719). Referimo-nos, sim, a verdadeiras guerras entre aldeias, que explodiam, quase sistematicamente, no decurso das romarias e suficientemente recentes para que os velhos se lembrem de nelas terem participado e os mais jovens de a elas terem assistido. Se os velhos que entrevistámos são pouco loquazes relativamente aos aspectos sexuais da festa no tempo da sua juventude, os seus testemunhos são, pelo contrário, constantes e explícitos e as emoções ainda bastante vivas no que diz respeito a estas batalhas, permitindo-nos assim considerá-las como parte integrante da romaria. O pároco de Baçal relata fielmente alguns exemplos do fim do século XIX e princípios do século XX: alguns duraram um dia e uma noite, outros saldaram-se por mortos e dezenas de feridos (720). O pároco de Foz Côa mostra a inserção ritual e o desenrolar esperado e estereotipado destas batalhas na romaria da sua paróquia, até uma época mais recente. A naturalidade com que refere a continuação jovial do arraial, imediatamente após a separação dos adversários pela polícia e o transporte dos feridos (ou eventualmente dos mortos), mostra bem o carácter inelutável e sistemático desta fase da peregrinação (721). De alguma forma também este sangue fazia parte da festa.
(...)
As descrições detalhadas que recolhemos directamente dos actores de outrora centram-se na rivalidade entre aldeias (722). Antigas discórdias por vezes não resolvidas: «Discutiremos isso na romaria», velhos ressentimentos herdados de outra geração e que determinam uma agressividade latente, solidariedade entre os jovens «que começaram», ou então, muito simplesmente, recusa de aceitar uma humilhação ou uma injúria imediata... todos estes motivos podem conjugar-se – e ligar-se em torno de uma fatalidade própria da romaria – num fundo de hostilidade e de alianças tradicionais de que já não se sabe a origem. (...) Uma oração de joelhos, depois, agitando ameaçadoramente os cajados, um grito: «Viva Tinalhas!» (...) E era então que frequentemente estalava a briga. Entre homens. A pau e pedra. (...) Extremavam-se os campos, sempre os mesmos: Salgueiros e Póvoa de um lado, Juncal, Freixial e Tinalhas do outro (724).
(...)
Os antigos combatentes estão de acordo acerca dos factores desta evolução que puseram termo às guerras de aldeias: a escola, a Guarda Nacional [Republicana], os sermões do pároco «quando ele é bom...». “ in Pierre Sanchis – Arraial: Festa de um Povo – as romarias portuguesas. Lisboa, Publicações D. Quixote, 1992, 2ªed, p. 175-177
Ou ainda:
Ernesto Veiga de Oliveira - Festividades Cíclicas em Portugal. Lisboa, Publicações D. Quixote, 1984, pp.323-324 (Citado em O jogo-do-pau como representação de estatuto e hierarquia nas sociedades tradicionais): “E era o «varrer» da feira ou do terreiro, refregas épicas, verdadeiras lutas campais, de paus que cruzavam no ar, no furor das pancadas, num jogo largo de feira ou «varrimento» (...), entre nuvens de pó, no meio da gritaria das mulheres que fugiam em todas as direcções”.
O assunto também foi tratado por autores de ficção que retratavam nos seus romances a sociedade daquele tempo. Transcrevem-se de seguida alguns excertos de Terras do Demo [ Aquilino RIBEIRO - Terras do Demo. Lisboa, Círculo de Leitores, 1983] :
“(...) -Eh, rapaziada da Seitosa - disse ele -, então que febre vos fazem as vacas?
-Ainda aí apareces, filho de sete curtas!? - increpou o Zé Narciso. - Vais pagar o descaramento...
E à mão tente despediu-lhe o lodo à nuca. O Brás aparou a pancada no ombro e respondeu-lhe com uma chuçada valente do sombreiro à arca do peito.
O outro pulou e, trás, trás, só deixou de bater pela cabeça, pelos braços, pelo corpo todo, quando o viu estrumado por terra, a roncar.
O Espadagão vinha com uma enxada para lhe britar a cabeça, mas o Cláudio vendeiro deitou-lhe o gadanho e o golpe foi quebrar-se nas costelas:
- Conho, em homem no chão não se dá! (...) [pág. 134]
Passavam maltas, de varapau a estreloiçar contra varapau, varrendo nas arrecuas do batuque o terreiro coalhado de gentiaga: Viva Lamosa! (...) [pág. 136]
Entre eles nem ficava chão para cair um alfinete. E por entre estes e as vareiras, as maltas e ranchos cavalavam. Lá rompia Granjal de lodo no ar, tau-tau, viva a rusga! (...)
Aí disparava um cavaleiro, todo farófia, chapéu de aba larga, pau de choupa entalado debaixo da perna:
- Olá, gentes, abram passagem!
Bem arreada besta, crinas rentes, franjas na retranca, rifadora por de mais. O ar dele era rebentio, com a pinta de rico, e o poviléu apartava-se à banda. Mas lá desembocava outra malta:
- Viva Tabosa!
- Viva!
- Viva até que morra!
E arremetia por ali dentro, aos safanões, ó cetrás, em borborinhos de poeira, num zafarrancho de mil demónios. (...) [pág. 241]
- Foge! Foge! - exclamou a Zabana para Glorinhas diante dum roldão de caceteiros em enovelada correria.
Eram as maltas do Granjal e da Vila da Ponte que se acometiam, naquela sua inveterada rixa de povos fronteiriços e forçudos. Emborcando tarimbas do negócio e trilhando os dorminhões, acossado pelo estreloiçar dos paus, o poviléu varreu às bandas.
Glorinhas e a Zabana meteram para a porta do santuário, em que uma onda medrosa se atropelava. A espaldas delas, retiniam pragas, gemidos e gritos de aqui-d’el-rei. Mas acudia a tropa e os desordeiros tresmalhavam a pés de cavalo. Curioso, o povo refluía sobre o lugar da refrega, que durara o tempo dum credo. Escabujava no chão homem ferido, se não morto, e vozes de mulher gemiam, testemunhando a justiça do céu e da terra. (...) [pág. 257]
Se nas primeiras décadas do séc. XX houvesse malucos azuis e um blog “Portugal-Online” ser-nos-ia naturalmente aí explicado que a cacetada da velha que havia nas aldeias portuguesas existia precisamente por causa de uma conspiração organizada pelos espanhóis, pelo Presidente Bernardino Machado, pelos monárquicos e pela Nossa Senhora de Fátima.
Defensores do bairro
Disseram-me (não sei se é verdade, porque não fui verificar pessoalmente) que no Bairro de Bemôri os velhos continuam a jogar às cartas com os vizinhos como antigamente sem se preocuparem com a origem geográfica de cada um, e que os jovens da área sempre estiveram unidos para defender o bairro no tempo em que ainda havia o caos nas ruas. Talvez seja por isso que o lugar tem a reputação de ser um dos mais calmos de Díli. Muitos dos bairros mais problemáticos são precisamente aqueles de onde parte da população foi escorraçada por ter nascido noutra metade do país. Muitos dos jovens apanhados em zaragatas pelas forças internacionais desculpam-se dizendo que estavam só a defender o bairro. Eu sou céptico em relação aos jovens que se juntam dizendo que estão a defender-se de ataques exteriores se no bairro a que eles pertencem as casas tiverem as paredes cheias de grafítis racistas e xenófobos. Porque esses comentários são escritos precisamente pelos jovens do bairro. Há inclusivamente uma pressão intensa sobre os jovens sossegados que não se querem meter em conflitos para virem também para a rua andar à porrada, em vez de chamarem a polícia e ficarem quietos em casa – os rufias e arruaceiros de cada bairro são nessas situações promovidos de repente à categoria de heróis vigilantes. Os polícias e militares internacionais têm endurecido o tom de voz nos apelos à população, explicando que qualquer pessoa apanhada num cenário de conflito na posse de flechas de Amboíno (rama-Ambon), lanças e, claro, armas de fogo, será imediatamente presa – como explicava em tétum na RTTL o simpático militar australiano porta-voz da tropa do país dele, com certeza ninguém pensa ir caçar nas ruas da capital. É que se a catana é aqui uma ferramenta multi-usos que existe em todas as casas as flechas de Amboino são armas perversas de destruição que não têm outra utilidade que não seja fazer mal às pessoas.
Até há cerca de uma semana quase todos os dias havia pedrada entre dois grupos de jovens, na estrada para Comoro, um de cada lado da via, na zona perto do mercado. Quando os rapazes estavam mais entusiasmados tínhamos que esperar um bocado ali parados ou ir por um caminho alternativo, quando eles estavam mais bem dispostos e as pedradas eram só para para não perder a prática, eles paravam de atirar pedras uns aos outros e faziam-nos sinal para passarmos. Há um ou dois meses, em dois seguidos, tive oportunidade de assistir de um edifício alto a confrontos na zona de Caicôli, envolvendo muitas dezenas de jovens – assim que alguém começava a bater num ferro a dar o alarme via-se os miúdos (e miúdas!) a correr das casas e quintais para a estrada apanhando pedras, paus, canos de ferro, etc, e depois avançavam e recuavam enfrentando o outro grupo, no meio de gritos e risadas. Alguns e algumas não teriam mais de doze anos. Um que levou uma pedrada numa perna foi gozado pelos colegas que estavam ao lado dele. Fez-me lembrar das “guerras de torrões de areia” que fazia às vezes com os meus amigos quando era criança. Nem sempre os confrontos são assim, alguns são bastante mais graves.
Em Timor-Leste há uma cultura de impunidade, está espalhada na sociedade a ideia de que os que cometem crimes não terão de responder por eles num tribunal. Isso é desde logo uma herança do tempo da ocupação indonésia, e também da facilidade com que os organizadores da violência de 1999 escaparam à justiça devido à necessidade de o novo Estado manter boas relações com a Indonésia. A Igreja Católica foi inexcedível no apoio aos deslocados da crise desde o primeiro momento e está a ter actualmente um papel extremamente positivo nos esforços de pacificação das comunidades, mas na altura da manifestação da Igreja contra o Governo em 2005 – quando muitos manifestantes se fartaram de usar slogans e cartazes com mensagens racistas e de intolerância religiosa – perdeu uma boa oportunidade de lançar uma campanha de educação para a tolerância a nível nacional. Quando numa noite nessa altura dois portugueses e um polícia foram sequestrados na residência do Bispo de Díli e espancados, o Padre Maubere apareceu na televisão a dizer que era normal que os jovens tivessem tido tal atitude porque estavam nervosos por as suas reivindicações não serem ouvidas. Que eu saiba não houve ninguém julgado e condenado por rapto e tortura na sequência desse caso. Em 4 de Dezembro de 2002 houve confrontos graves e muita destruição na cidade de Díli, os culpados também nunca foram julgados e condenados. Há quem faça apelos à violência nos jornais sem qualquer consequência.
Apesar de tudo a situação tem vindo a melhorar francamente, já há esquadras permanentes da polícia da ONU em alguns lugares de Díli, os polícias já andam por aí a fazer patrulhas a pé e acompanhados de agentes da PNTL... Há diariamente na RTTL um espaço de antena para a UNPOL e os militares australianos onde se comenta a lista de casos de polícia do dia (que têm vindo a diminuir), para que a população seja informada com objectividade sobre as ocorrências relativas a problemas de segurança, em vez de ouvir os boatos que por cá correm (e o tom alarmista de certos blogues que dizem que “Eles andem aí!!”). Continua no entanto a existir um clima de medo e de suspeição mútua no seio das comunidades. Algumas acções de criminosos xenófobos durante o último mês, como entrar numa microlete com uma faca à procura de gente de leste, ou esperar no caminho de ida para uma escola e mandar as crianças nascidas no oriente voltarem para casa, reforçaram esses receios. Em Díli não é preciso fazer uma coisa dessas muitas vezes, basta um único incidente para que no dia seguinte toda a gente fale disso e vá “acrescentando um ponto”. Também já há menos deslocados nos campos, mas muitos dos que aí estão continuam com medo não do “lobo mau” mas dos próprios vizinhos.
Nas ruelas interiores dos bairros continua a haver grupos de moços que se sentam em convívio à noite, às vezes com um jerrican de vinho de palma ou aguardente para animar os espíritos. Já antes se fazia, e tocava-se viola e cantavam-se umas cantigas; agora contam-se histórias de valentia - real ou de fanfarronice - contra “os outros”, a UNPOL em geral, a GNR... Não acredito que os australianos estejam cá só pelos lindos olhos dos timorenses, naturalmente têm a sua própria agenda. Mas o que não ajuda nada para a resolução da situação é fomentar os receios do povo com histórias sobre “bichos-papões”, como faz o “Timor-Online”, em vez de apelar a que as comunidades deixem de seguir as maçãs podres que existem no seu seio, e a que tomem a paz nas suas próprias mãos. É preciso dizer que o António, ou Manuel, ou Zé, que andem com uma catana a ameaçar pessoas são criminosos, no lugar de dizer que são sempre outros os maus.
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domingo, novembro 05, 2006
terça-feira, outubro 31, 2006
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quarta-feira, outubro 25, 2006
quarta-feira, outubro 11, 2006
quinta-feira, outubro 05, 2006
domingo, setembro 10, 2006
Firacos e calades
Novo post no blog do Publico: Firacos e calades
Fotografia com "traje de parolo" em Viana do Castelo (ilustra o texto acima)
quinta-feira, agosto 17, 2006
Basá ema hotu ne’ebé kaer surik, sei mate ho surik
Mt, 26, 52
Jesus disse-lhe: «Mete a tua espada na bainha, pois todos quantos se servirem da espada morrerão à espada.»
Jezús dehan ba nia: “Hatama ó-nia surik ba nia fatin, basá ema hotu ne’ebé kaer surik, sei mate ho surik.”
Os dias vão-se sucedendo, e a violência faz agora parte da rotina. Regularmente vem ao telejornal da RTTL o director do Hospital Nacional Guido Valadares comunicar os números da semana: n crianças mortas por doenças nos campos de refugiados, n crianças internadas, n jovens que entraram nas urgências vítimas de catanadas, n feridos por pedras, n atingidos por flechas... Nos bairros todos os dias há confrontos - pedrada principalmente - entre grupos de adolescentes de lorosa’e e de loromonu, as forças internacionais – que parecem trabalhar agora em colaboração eficiente – aparecem depressa, os grupos dispersam, alguns dos vândalos são apanhados, e, na maioria, são libertados depois de identificados por serem ainda de menor idade. Há também outra modalidade que é um bandidozeco corajoso ir esconder-se perto de uma zona residencial de onde os oriundos da mesma metade do país que ele tenham sido escorraçados, e depois, à distância, com uma fisga, ir atirando pedras sobre as casas. Isto dura às vezes muito tempo, e dá cabo dos nervos de quem vive na área.
A violência de rua vem de ambos os lados. Houve o momento em que os peticionários ou os seus amigos apedrejaram e puseram fogo a carros ao pé do Palácio do Governo e a seguir queimaram casas de gente de lorosa’e em Tassitolo. Mais tarde, especialmente aquando da “caça” aos desordeiros da manifestação dos peticionários e por alturas do ataque das FDTL ao quartel da polícia, militares das FDTL entravam por bairros de maioria de loromonu aos tiros para o ar e a ameaçar os habitantes, e havia bandos de adolescentes de leste que aproveitavam a situação para espalharem o pânico, e queimarem e espancarem. Por essas alturas também havia alguns polícias de loromonu – vários deles com antecedentes de actividade em gangs no tempo indonésio e incorporados na PNTL para ver se assim os controlavam – que andavam a atacar gente de lorosa’e. Quando as FDTL voltaram para os quartéis e a polícia se entregou ou desapareceu de circulação os bandos de delinquentes do ocidente tornaram-se preponderantes nas ruas e, com excepção de alguns bairros maioritariamente habitados por gente de lorosa’e, a maior parte das pessoas de leste espalhadas por Díli teve que deixar o seu lar e ir para campos de refugiados ou para as terras dos antepassados. Hoje o ódio e a intolerância estão espalhadas no seio das comunidades como um cancro, que tudo corrói e faz apodrecer.
A propósito disto, vou contar-vos uma história. Um autocarro vinha de Manatuto com passageiros. Ao chegar a Díli encontrou uma barreira na estrada feita por jovens de loromonu que perguntaram ameaçadoramente se traziam algum “Irak”. As pessoas entreolharam-se receosas, e por fim um velhinho trémulo respondeu «Não, filho. Não nos façam mal que aqui somos todos “milisi” ».
Contaram-me a história como verdadeira, mas não sei se o é realmente. Porém, para quem não mora em Timor e não acompanhou o crescer do ódio nestes últimos meses, isto requer algumas explicações. Os soldados peticionários que acabaram por ser expulsos das FDTL consideravam-se vítimas de discriminação e diziam que por serem do ocidente (loromonu) lhes chamavam “milícias” ou “filhos de milícias”. É pena que tal questão tenha surgido, porque as FDTL deviam ser um dos garantes mais firmes da unidade nacional e da consciência patriótica. Além de que há que respeitar a memória de toda a gente de loromonu que morreu em massacres perpetrados pelas milícias, como em Liquiçá e em Suai, por exemplo. O sangue das vítimas da ocupação correu por todo o país. Por outro lado, nos cartazes das manifestações anti-Mari Alkatiri abundavam as mensagens racistas e de intolerância religiosa, demonizando o ex-Primeiro Ministro por a sua família ser proveniente do Iémen, e fazendo corresponder um nome árabe e religião muçulmana a ligações com a Al-Qaeda, Bin Laden e terroristas do Iraque. Uma interpretação simplória dos acontecimentos que prevalece entre muito povo do ocidente (loromonu) considera que as pessoas do leste (lorosa’e) são apoiantes de Mari Alkatiri (enquanto muitos deles próprios consideram os peticionários, e Alfredo Reinaldo e Rai-Loos como heróis), daí que lhes façam estender os epítetos que usam para o ex-Primeiro Ministro. Nalguns ataques feitos em Díli por jovens vândalos de ocidente a casas de famílias de leste, ouvi pessoalmente os delinquentes gritarem coisas como “komunista”, “Irak”, “terrorista”.
É caso para perguntar: para quando uma aposta séria na educação para a tolerância em todas as instituições de Timor ligadas ao ensino?
Díli, 12 de Agosto de 2006
Jesus disse-lhe: «Mete a tua espada na bainha, pois todos quantos se servirem da espada morrerão à espada.»
Jezús dehan ba nia: “Hatama ó-nia surik ba nia fatin, basá ema hotu ne’ebé kaer surik, sei mate ho surik.”
Os dias vão-se sucedendo, e a violência faz agora parte da rotina. Regularmente vem ao telejornal da RTTL o director do Hospital Nacional Guido Valadares comunicar os números da semana: n crianças mortas por doenças nos campos de refugiados, n crianças internadas, n jovens que entraram nas urgências vítimas de catanadas, n feridos por pedras, n atingidos por flechas... Nos bairros todos os dias há confrontos - pedrada principalmente - entre grupos de adolescentes de lorosa’e e de loromonu, as forças internacionais – que parecem trabalhar agora em colaboração eficiente – aparecem depressa, os grupos dispersam, alguns dos vândalos são apanhados, e, na maioria, são libertados depois de identificados por serem ainda de menor idade. Há também outra modalidade que é um bandidozeco corajoso ir esconder-se perto de uma zona residencial de onde os oriundos da mesma metade do país que ele tenham sido escorraçados, e depois, à distância, com uma fisga, ir atirando pedras sobre as casas. Isto dura às vezes muito tempo, e dá cabo dos nervos de quem vive na área.
A violência de rua vem de ambos os lados. Houve o momento em que os peticionários ou os seus amigos apedrejaram e puseram fogo a carros ao pé do Palácio do Governo e a seguir queimaram casas de gente de lorosa’e em Tassitolo. Mais tarde, especialmente aquando da “caça” aos desordeiros da manifestação dos peticionários e por alturas do ataque das FDTL ao quartel da polícia, militares das FDTL entravam por bairros de maioria de loromonu aos tiros para o ar e a ameaçar os habitantes, e havia bandos de adolescentes de leste que aproveitavam a situação para espalharem o pânico, e queimarem e espancarem. Por essas alturas também havia alguns polícias de loromonu – vários deles com antecedentes de actividade em gangs no tempo indonésio e incorporados na PNTL para ver se assim os controlavam – que andavam a atacar gente de lorosa’e. Quando as FDTL voltaram para os quartéis e a polícia se entregou ou desapareceu de circulação os bandos de delinquentes do ocidente tornaram-se preponderantes nas ruas e, com excepção de alguns bairros maioritariamente habitados por gente de lorosa’e, a maior parte das pessoas de leste espalhadas por Díli teve que deixar o seu lar e ir para campos de refugiados ou para as terras dos antepassados. Hoje o ódio e a intolerância estão espalhadas no seio das comunidades como um cancro, que tudo corrói e faz apodrecer.
A propósito disto, vou contar-vos uma história. Um autocarro vinha de Manatuto com passageiros. Ao chegar a Díli encontrou uma barreira na estrada feita por jovens de loromonu que perguntaram ameaçadoramente se traziam algum “Irak”. As pessoas entreolharam-se receosas, e por fim um velhinho trémulo respondeu «Não, filho. Não nos façam mal que aqui somos todos “milisi” ».
Contaram-me a história como verdadeira, mas não sei se o é realmente. Porém, para quem não mora em Timor e não acompanhou o crescer do ódio nestes últimos meses, isto requer algumas explicações. Os soldados peticionários que acabaram por ser expulsos das FDTL consideravam-se vítimas de discriminação e diziam que por serem do ocidente (loromonu) lhes chamavam “milícias” ou “filhos de milícias”. É pena que tal questão tenha surgido, porque as FDTL deviam ser um dos garantes mais firmes da unidade nacional e da consciência patriótica. Além de que há que respeitar a memória de toda a gente de loromonu que morreu em massacres perpetrados pelas milícias, como em Liquiçá e em Suai, por exemplo. O sangue das vítimas da ocupação correu por todo o país. Por outro lado, nos cartazes das manifestações anti-Mari Alkatiri abundavam as mensagens racistas e de intolerância religiosa, demonizando o ex-Primeiro Ministro por a sua família ser proveniente do Iémen, e fazendo corresponder um nome árabe e religião muçulmana a ligações com a Al-Qaeda, Bin Laden e terroristas do Iraque. Uma interpretação simplória dos acontecimentos que prevalece entre muito povo do ocidente (loromonu) considera que as pessoas do leste (lorosa’e) são apoiantes de Mari Alkatiri (enquanto muitos deles próprios consideram os peticionários, e Alfredo Reinaldo e Rai-Loos como heróis), daí que lhes façam estender os epítetos que usam para o ex-Primeiro Ministro. Nalguns ataques feitos em Díli por jovens vândalos de ocidente a casas de famílias de leste, ouvi pessoalmente os delinquentes gritarem coisas como “komunista”, “Irak”, “terrorista”.
É caso para perguntar: para quando uma aposta séria na educação para a tolerância em todas as instituições de Timor ligadas ao ensino?
Díli, 12 de Agosto de 2006
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terça-feira, agosto 08, 2006
GNR continua o bom trabalho
Esta noite houve problemas em frente a minha casa. Apareceram imediatamente as forcas internacionais, desta vez em colaboracao, GNR, australianos e malaios. Da-me algum conforto saber que ha quem, desempenhando um trabalho arriscado, zela pela seguranca dos cidadaos. A GNR prima pelo profissionalismo, esta aqui a pedido das autoridades timorenses legitimas para ajudar a manter A LEI E A ORDEM. Nao esta aqui para ajudar nenhuma corrente politica (nem os pro nem os contra) e nao distingue entre "bandidos bons" e "bandidos maus" nem entre "bandidos do nosso lado" e "bandidos do lado deles". Ainda no Domingo telefonamos para uma amiga nossa (natural de Baucau) para saber se estava tudo bem porque havia problemas no bairro dela, e ela atendeu em panico porque tinha bandidos bestas quadradas a atacaram-lhe a casa, mas logo a seguir disse com alivio "Espera, a GNR ja esta aqui a chegar!". A tarde telefonamos-lhe outra vez e ja estava em Baucau com familiares, tinha tido que fugir mais uma vez com medo que houvesse novos ataques. A rapariga e uma estudante da UNTL, que costuma trabalhar bastante com as freiras de uma ordem religiosa no apoio social que estas levam a cabo, ou seja, uma cidada que nada tem a ver com politica, nem com armas, nem com nada que possa fazer compreender - ainda que nao justificar - que os delinquentes piromanos a escolhessem como alvo. Os cidadaos amantes da paz ficam muito contentes por saber que a GNR esta neste momento por ai pela cidade a fazer as suas patrulhas, e natural que os criminosos fiquem desassossegados.
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segunda-feira, agosto 07, 2006
Xanana há seis anos
Um texto de há seis anos que nos ajuda a perceber a raiz de alguns problemas:
Xanana, as bandeiras e o povo de Ainaro
Reportagem de Adelino Gomes publicada na revista “Pública” de 23 de Janeiro de 2000
“Ainaro arvora os de olhar vivo.”
Ruy Cinatti, “Para Uma Corografia Emotiva de Timor” (1946-1972)
Já passou mais de uma hora, mas há ainda gente a entrar no vasto salão do “pré-seminário” S. Luís Gonzaga, no centro de Ainaro. Empurradas pela multidão, as crianças sentam-se tão à frente que podem tocar-lhe, se quiserem. O ritual da recepção seguiu o esquema consagrado: honras militares prestadas pelos mais velhos, armados de catanas e flechas, os braços e os tornozelos enfeitados de colares, braceletes, adornos de prata; versos da exaltação da luta e do líder recitados por uma criança (muitas vezes, como foi o caso hoje, em uniforme de escuteiro); relatório das actividades políticas da região pelo responsável local; discurso do “Presidente do CNRT”, Xanana Gusmão.
O povo é agora convidado a falar das suas dificuldades, a levantar dúvidas, a pedir esclarecimentos. Xanana puxa de mais um cigarro. Percorre a assistência com o olhar, à espera da primeira pergunta, que tarda.
No seu longo discurso, fizera uma viagem pela história dos 24 anos de ocupação, ressaltando o papel desempenhado pelas populações na resistência. Detivera-se na transição e nos desafios da independência (“atenção que não a temos ainda. Ela paira no ar. Mas precisamos de a construir. A ocupação durou 24 anos. O CNRT [Conselho Nacional da Resistência Timorense] dá 25 anos para a reconstrução. E vai provar que pode construir um país”). Termina insistindo na supremacia do poder do povo sobre os governantes: “Não é o Presidente que vai governar; não é o ministro que vai governar. É o povo. Se o presidente roubar, vai para a cadeia. Se o ministro roubar, tiramo-lo e metemo-lo na cadeia.” Como numa espécie de preparação para o momento seguinte, explica o que quer dizer a palavra “democracia”. E acentuou a necessidade da livre crítica: “No tempo dos indonésios dizíamos que alguma coisa estava mal e eles cortavam-nos os dedos. Agora, se está mal, devemos dizer que está mal.” A primeira intervenção pertence a um homem que diz chamar-se Armando Fernandes e que se queixa da falta de comida, mas cuja maior preocupação se centra em questões políticas. Quer saber, definitivamente, que bandeira devem os timorenses respeitar mais: a da RDTL República Democrática de Timor-Leste (que a Fretilin hasteou na proclamação unilateral de independência, em 28 de Novembro de 1975) ou a do CNRT, em que os timorenses votaram no referendo de 30 de Agosto? O homem não deixa dúvidas quanto ao que pensa, ao caracterizar a bandeira da RDTL como “aquela pela qual os nossos irmãos, os nossos amigos, os nossos guerrilheiros morreram ao longo destes 24 anos”.
Xanana pede que outros façam mais perguntas. Levanta-se uma mulher, vestida de preto. Senhora de uma notável facilidade de expressão, começa por desejar Boas Festas ao líder para logo a seguir perguntar, “com todo o respeito”, qual a bandeira que o povo deve honrar: “A da RDTL, que içámos durante a luta”, ou a do CNRT?
O terceiro interveniente pergunta para onde vai Timor, “se cada um começa a puxar a brasa à sua sardinha?”. Já se adivinha mesmo o que ele pretende: ouvir de Xanana uma palavra sobre qual a bandeira que o povo deve respeitar mais...
O líder timorense, que começara há minutos a remexer-se na cadeira, levanta-se e arranca para uma resposta que durará quase uma hora. Ainda na noite anterior, em conversa informal com o PÚBLICO, a caminho precisamente desta cidade, Xanana mostrara-se convencido da insignificância do novo partido que adoptou o nome e a bandeira da efémera República Democtrática de Timor-Leste (RDTL). “É um pequeno grupo de radicais”, comentara, displicente.
Constituído por figuras conhecidas mas minoritárias da antiga Fretilin, o grupo tornou-se muito falado em Díli por ter feito uma aliança aparentemente contranatura como o PNT (Partido Nacionalista Timorense, de Abílio Araújo, o antigo presidente da Fretilin que mais tarde veio a defender a tese de uma autonomia alargada no seio da Indonésia) e por uma razão à margem do debate político: um dos seus membros esbofeteou em público o dirigente da Fretilin, Mari Alkatiri, mal este regressou a Timor-Leste.
A sucessão fulminante de perguntas sobre a bandeira parece demonstrar, contudo, uma identificação dos “radicais” com o povo e aconselha Xanana a uma resposta firme e convincente.
“Temos de voltar atrás”, começa, recordando as condições em que, pressionada pela Indonésia que já ocupava militarmente boa parte da zona fronteiriça e isolada de Portugal, que fazia orelhas moucas aos seus pedidos de negociação, a Fretilin decidiu proclamar unilateralmente a independência. “A RDTL foi uma decisão política para parar a invasão em Atabai. Tomámo-la em casa do Xavier [do Amaral, ao tempo presidente da Fretilin].”
“U-ni-la-te-ral-men-te””, martela por várias vezes. “Se a comunidade internacional a tivesse reconhecido, a ONU tinha mandado tropas [quando a Indonésia invadiu o território]. Ora o que aconteceu foi que a ONU aprovou uma resolução recomhecendo Portugal como potência administrante. Se a ONU e Portugal tivessem reconhecido a RDTL, não precisaríamos de um referendo. Por causa do referendo é que veio a Interfet. Por causa do referendo é que vem agora a força de manutenção de paz.”
Xanana detém-se no impasse a que a resistência chegou no início da década de 80, quando, do Comité Central que enfrentou as legiões de Suharto, apenas ele e Ma’Huno restavam no mato. Conta o que lhe disse em 1982 o “saudoso bispo” D. Martinho Lopes (a quem o Vaticano viria a afastar da diocese de Díli por o considerar demasiado próximo da resistência): “Filho, larga o marxismo. Temos de agarrar o povo todo.” Revela os apoios que iam surgindo à luta contra a ocupação indonésia das mais inesperadas figuras e filiações partidárias. “Os padres apoiavam; Guilherme Gonçalves, ninguém sabe, mas muitos documentos saíram de Jacarta através dele; a UDT queria ajudar”, mas o “comunismo” da Fretilin constituía um obstáculo intransponível a uma aliança. Diz que estes foram os fundamentos do processo por si liderado de despartidarização das Falintil e de criação de uma estrutura política mais abrangente – o Conselho Nacional da Resistência Maubere (CNRM). E explica que tamanha era a necessidade de alargar cada vez mais a base de apoio da resistência que rapidamente se decidiu eliminar da sigla a letra M (de maubere) substituindo-a pela letra T (de timorense).
Volta então ao tema da bandeira. “Não foi só a Fretilin que fez a guerra. Também a fizeram a Igreja, a UDT, outros partidos. Porque é que dizemos que as Falintil são do povo? Porque saíram da Fretilin e passaram a abranger toda a gente.” Por isso a sua bandeira foi adoptada pelo CNRT. Insiste que a RDTL foi uma decisão “unilateral” da Fretilin. “Muitos dizem que derramámos o sangue pela bandeira. É verdade. Mas o nosso objectivo é mais do que a bandeira: é a independência.”
Senta-se e fica a aguardar uma nova ronda de perguntas. Uma mulher e um homem levantam-se, chegam à frente e falam. A dúvida que os atormenta resume-se no essencial em saber qual das duas bandeiras (a da RDTL ou do CNRT) deve ser mais respeitada?
Xanana não se dá por achado e inicia um novo discurso explicativo, agora mais brutal. “Em 1977, a Fretilin decidiu adoptar o marxismo-leninismo. O povo não foi ouvido. Matou-se muita gente.” Bate repetidamente na mesa. “O sangue foi derramado pela bandeira ou pelo significado da bandeira? O significado é a nossa independência. Eu respeito a bandeira da RDTL. Não podemos apagar o dia 28 de Novembro da História. Mas também o 11 de Agosto [data do golpe da UDT]. E o 20 de Agosto [data do contragolpe da Fretilin]. Da História faz parte o bem e o mal. Quem quiser tem direito a continuar agarrado ao 28 de Novembro. Para mim, a data mais importante é a [do referendo] de 30 de Agosto.”
Cala-se, acende novo cigarro, dá uns goles no café que as mulheres vieram distribuir pelos convidados. Sucedem-se no uso da palavra outros elementos da assistência, todos na casa dos 40 anos. Martinho quer saber qual a bandeira mais importante; António mistura tétum com bahasa para perguntar no essencial o mesmo – RDTL ou CNRT?
Xanana parece à beira de um ataque de nervos. A bandeira da transição é a bandeira do CNRT, que é a bandeira das Falintil, que é a bandeira da unidade nacional, diz, em resumo. Mas o discurso agora desbrava outro caminho: “Não é preciso pensar já na bandeira da independência. Porque estamos ainda com fome, ainda estamos doentes.” Depois das eleições, quando houver uma Assembleia Constituinte, então haverá um concurso para a bandeira. Conta uma história passada durante o período em que as milícias quiseram obrigar toda a gente a hastear uma bandeira indonésia em casa. Para irritação dos jovens, um velho, no Oecussi, cedeu às pressões e pendurou a bandeira indonésia numa árvore sagrada. Resposta do velho aos protestos dos jovens: “Vocês são cultos mas parvos. É preciso sabermos viver. Depois, no referendo, eu vou votar na independência. E nessa altura o pano da bandeira indonésia nem para fazer cuecas me vai servir.”
O povo ri. Xanana mal goza o efeito, disparando logo outra história, de sinal contrário, mas com o mesmo objectivo táctico de desdramatizar a importância da bandeira, que ameaça transformar-se nestas quase quatro horas que leva já a sessão de esclarecimento no tema fetiche de toda a vida política de Timor. Antigo soldado de 2ª linha quando Timor era uma colónia de Portugal, um velho recusou-se a levantar a bandeira indonésia. “Porquê?”, quis saber um militar indonésio. “Porque no tempo dos portugueses ensinaram-me que nem a sombra dela nós podíamos pisar. Mas agora, com vocês, até no curral dos porcos se põem as bandeiras...”
A sessão termina com os vivas da praxe a Ka[i] Rala Xanana Gusmão e a Timor-Leste. O líder timorense sai de semblante mais carregado do que é habitual. Decide ali mesmo fazer uma visita surpresa a uma povoação das redondezas, Soro Crai, onde há dez anos o povo escavou um buraco de quatro metros e ali o manteve escondido da tropa indonésia, durante mais de um mês.
O jipe que a solidariedade japonesa lhe ofereceu e a bordo do qual tem vindo a percorrer o território toma o caminho de Maubisse. Antes do desvio para a aldeia, numa casa isolada do lado esquerdo de quem sai de Ainaro, um pano vermelho e negro flutua no topo de um comprido mastro. “Olha, olha, a bandeira da RDTL”, diz um dos membros da comitiva. Está desvendado o mistério das perguntas todas iguais de toda a gente durante toda a manhã. O pequeno grupo de radicais promete obrigar Xanana a responder ainda por muito tempo à pergunta de Armando Fernandes e de mais uma dezena de homens e mulheres de Ainaro: qual é a bandeira que os timorenses devem respeitar mais – a do CNRT, ou a da RDTL, pela qual milhares derramaram sangue ao longo de um quarto de século?
Xanana, as bandeiras e o povo de Ainaro
Reportagem de Adelino Gomes publicada na revista “Pública” de 23 de Janeiro de 2000
“Ainaro arvora os de olhar vivo.”
Ruy Cinatti, “Para Uma Corografia Emotiva de Timor” (1946-1972)
Já passou mais de uma hora, mas há ainda gente a entrar no vasto salão do “pré-seminário” S. Luís Gonzaga, no centro de Ainaro. Empurradas pela multidão, as crianças sentam-se tão à frente que podem tocar-lhe, se quiserem. O ritual da recepção seguiu o esquema consagrado: honras militares prestadas pelos mais velhos, armados de catanas e flechas, os braços e os tornozelos enfeitados de colares, braceletes, adornos de prata; versos da exaltação da luta e do líder recitados por uma criança (muitas vezes, como foi o caso hoje, em uniforme de escuteiro); relatório das actividades políticas da região pelo responsável local; discurso do “Presidente do CNRT”, Xanana Gusmão.
O povo é agora convidado a falar das suas dificuldades, a levantar dúvidas, a pedir esclarecimentos. Xanana puxa de mais um cigarro. Percorre a assistência com o olhar, à espera da primeira pergunta, que tarda.
No seu longo discurso, fizera uma viagem pela história dos 24 anos de ocupação, ressaltando o papel desempenhado pelas populações na resistência. Detivera-se na transição e nos desafios da independência (“atenção que não a temos ainda. Ela paira no ar. Mas precisamos de a construir. A ocupação durou 24 anos. O CNRT [Conselho Nacional da Resistência Timorense] dá 25 anos para a reconstrução. E vai provar que pode construir um país”). Termina insistindo na supremacia do poder do povo sobre os governantes: “Não é o Presidente que vai governar; não é o ministro que vai governar. É o povo. Se o presidente roubar, vai para a cadeia. Se o ministro roubar, tiramo-lo e metemo-lo na cadeia.” Como numa espécie de preparação para o momento seguinte, explica o que quer dizer a palavra “democracia”. E acentuou a necessidade da livre crítica: “No tempo dos indonésios dizíamos que alguma coisa estava mal e eles cortavam-nos os dedos. Agora, se está mal, devemos dizer que está mal.” A primeira intervenção pertence a um homem que diz chamar-se Armando Fernandes e que se queixa da falta de comida, mas cuja maior preocupação se centra em questões políticas. Quer saber, definitivamente, que bandeira devem os timorenses respeitar mais: a da RDTL República Democrática de Timor-Leste (que a Fretilin hasteou na proclamação unilateral de independência, em 28 de Novembro de 1975) ou a do CNRT, em que os timorenses votaram no referendo de 30 de Agosto? O homem não deixa dúvidas quanto ao que pensa, ao caracterizar a bandeira da RDTL como “aquela pela qual os nossos irmãos, os nossos amigos, os nossos guerrilheiros morreram ao longo destes 24 anos”.
Xanana pede que outros façam mais perguntas. Levanta-se uma mulher, vestida de preto. Senhora de uma notável facilidade de expressão, começa por desejar Boas Festas ao líder para logo a seguir perguntar, “com todo o respeito”, qual a bandeira que o povo deve honrar: “A da RDTL, que içámos durante a luta”, ou a do CNRT?
O terceiro interveniente pergunta para onde vai Timor, “se cada um começa a puxar a brasa à sua sardinha?”. Já se adivinha mesmo o que ele pretende: ouvir de Xanana uma palavra sobre qual a bandeira que o povo deve respeitar mais...
O líder timorense, que começara há minutos a remexer-se na cadeira, levanta-se e arranca para uma resposta que durará quase uma hora. Ainda na noite anterior, em conversa informal com o PÚBLICO, a caminho precisamente desta cidade, Xanana mostrara-se convencido da insignificância do novo partido que adoptou o nome e a bandeira da efémera República Democtrática de Timor-Leste (RDTL). “É um pequeno grupo de radicais”, comentara, displicente.
Constituído por figuras conhecidas mas minoritárias da antiga Fretilin, o grupo tornou-se muito falado em Díli por ter feito uma aliança aparentemente contranatura como o PNT (Partido Nacionalista Timorense, de Abílio Araújo, o antigo presidente da Fretilin que mais tarde veio a defender a tese de uma autonomia alargada no seio da Indonésia) e por uma razão à margem do debate político: um dos seus membros esbofeteou em público o dirigente da Fretilin, Mari Alkatiri, mal este regressou a Timor-Leste.
A sucessão fulminante de perguntas sobre a bandeira parece demonstrar, contudo, uma identificação dos “radicais” com o povo e aconselha Xanana a uma resposta firme e convincente.
“Temos de voltar atrás”, começa, recordando as condições em que, pressionada pela Indonésia que já ocupava militarmente boa parte da zona fronteiriça e isolada de Portugal, que fazia orelhas moucas aos seus pedidos de negociação, a Fretilin decidiu proclamar unilateralmente a independência. “A RDTL foi uma decisão política para parar a invasão em Atabai. Tomámo-la em casa do Xavier [do Amaral, ao tempo presidente da Fretilin].”
“U-ni-la-te-ral-men-te””, martela por várias vezes. “Se a comunidade internacional a tivesse reconhecido, a ONU tinha mandado tropas [quando a Indonésia invadiu o território]. Ora o que aconteceu foi que a ONU aprovou uma resolução recomhecendo Portugal como potência administrante. Se a ONU e Portugal tivessem reconhecido a RDTL, não precisaríamos de um referendo. Por causa do referendo é que veio a Interfet. Por causa do referendo é que vem agora a força de manutenção de paz.”
Xanana detém-se no impasse a que a resistência chegou no início da década de 80, quando, do Comité Central que enfrentou as legiões de Suharto, apenas ele e Ma’Huno restavam no mato. Conta o que lhe disse em 1982 o “saudoso bispo” D. Martinho Lopes (a quem o Vaticano viria a afastar da diocese de Díli por o considerar demasiado próximo da resistência): “Filho, larga o marxismo. Temos de agarrar o povo todo.” Revela os apoios que iam surgindo à luta contra a ocupação indonésia das mais inesperadas figuras e filiações partidárias. “Os padres apoiavam; Guilherme Gonçalves, ninguém sabe, mas muitos documentos saíram de Jacarta através dele; a UDT queria ajudar”, mas o “comunismo” da Fretilin constituía um obstáculo intransponível a uma aliança. Diz que estes foram os fundamentos do processo por si liderado de despartidarização das Falintil e de criação de uma estrutura política mais abrangente – o Conselho Nacional da Resistência Maubere (CNRM). E explica que tamanha era a necessidade de alargar cada vez mais a base de apoio da resistência que rapidamente se decidiu eliminar da sigla a letra M (de maubere) substituindo-a pela letra T (de timorense).
Volta então ao tema da bandeira. “Não foi só a Fretilin que fez a guerra. Também a fizeram a Igreja, a UDT, outros partidos. Porque é que dizemos que as Falintil são do povo? Porque saíram da Fretilin e passaram a abranger toda a gente.” Por isso a sua bandeira foi adoptada pelo CNRT. Insiste que a RDTL foi uma decisão “unilateral” da Fretilin. “Muitos dizem que derramámos o sangue pela bandeira. É verdade. Mas o nosso objectivo é mais do que a bandeira: é a independência.”
Senta-se e fica a aguardar uma nova ronda de perguntas. Uma mulher e um homem levantam-se, chegam à frente e falam. A dúvida que os atormenta resume-se no essencial em saber qual das duas bandeiras (a da RDTL ou do CNRT) deve ser mais respeitada?
Xanana não se dá por achado e inicia um novo discurso explicativo, agora mais brutal. “Em 1977, a Fretilin decidiu adoptar o marxismo-leninismo. O povo não foi ouvido. Matou-se muita gente.” Bate repetidamente na mesa. “O sangue foi derramado pela bandeira ou pelo significado da bandeira? O significado é a nossa independência. Eu respeito a bandeira da RDTL. Não podemos apagar o dia 28 de Novembro da História. Mas também o 11 de Agosto [data do golpe da UDT]. E o 20 de Agosto [data do contragolpe da Fretilin]. Da História faz parte o bem e o mal. Quem quiser tem direito a continuar agarrado ao 28 de Novembro. Para mim, a data mais importante é a [do referendo] de 30 de Agosto.”
Cala-se, acende novo cigarro, dá uns goles no café que as mulheres vieram distribuir pelos convidados. Sucedem-se no uso da palavra outros elementos da assistência, todos na casa dos 40 anos. Martinho quer saber qual a bandeira mais importante; António mistura tétum com bahasa para perguntar no essencial o mesmo – RDTL ou CNRT?
Xanana parece à beira de um ataque de nervos. A bandeira da transição é a bandeira do CNRT, que é a bandeira das Falintil, que é a bandeira da unidade nacional, diz, em resumo. Mas o discurso agora desbrava outro caminho: “Não é preciso pensar já na bandeira da independência. Porque estamos ainda com fome, ainda estamos doentes.” Depois das eleições, quando houver uma Assembleia Constituinte, então haverá um concurso para a bandeira. Conta uma história passada durante o período em que as milícias quiseram obrigar toda a gente a hastear uma bandeira indonésia em casa. Para irritação dos jovens, um velho, no Oecussi, cedeu às pressões e pendurou a bandeira indonésia numa árvore sagrada. Resposta do velho aos protestos dos jovens: “Vocês são cultos mas parvos. É preciso sabermos viver. Depois, no referendo, eu vou votar na independência. E nessa altura o pano da bandeira indonésia nem para fazer cuecas me vai servir.”
O povo ri. Xanana mal goza o efeito, disparando logo outra história, de sinal contrário, mas com o mesmo objectivo táctico de desdramatizar a importância da bandeira, que ameaça transformar-se nestas quase quatro horas que leva já a sessão de esclarecimento no tema fetiche de toda a vida política de Timor. Antigo soldado de 2ª linha quando Timor era uma colónia de Portugal, um velho recusou-se a levantar a bandeira indonésia. “Porquê?”, quis saber um militar indonésio. “Porque no tempo dos portugueses ensinaram-me que nem a sombra dela nós podíamos pisar. Mas agora, com vocês, até no curral dos porcos se põem as bandeiras...”
A sessão termina com os vivas da praxe a Ka[i] Rala Xanana Gusmão e a Timor-Leste. O líder timorense sai de semblante mais carregado do que é habitual. Decide ali mesmo fazer uma visita surpresa a uma povoação das redondezas, Soro Crai, onde há dez anos o povo escavou um buraco de quatro metros e ali o manteve escondido da tropa indonésia, durante mais de um mês.
O jipe que a solidariedade japonesa lhe ofereceu e a bordo do qual tem vindo a percorrer o território toma o caminho de Maubisse. Antes do desvio para a aldeia, numa casa isolada do lado esquerdo de quem sai de Ainaro, um pano vermelho e negro flutua no topo de um comprido mastro. “Olha, olha, a bandeira da RDTL”, diz um dos membros da comitiva. Está desvendado o mistério das perguntas todas iguais de toda a gente durante toda a manhã. O pequeno grupo de radicais promete obrigar Xanana a responder ainda por muito tempo à pergunta de Armando Fernandes e de mais uma dezena de homens e mulheres de Ainaro: qual é a bandeira que os timorenses devem respeitar mais – a do CNRT, ou a da RDTL, pela qual milhares derramaram sangue ao longo de um quarto de século?
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As bocas da Dona “Margarida” estao aqui e noutros comentarios do mesmo blog...
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domingo, agosto 06, 2006
Os cães ladram mas a caravana passa
Fui acusado num blog de ser neo-colonialista e adversário do poder popular por causa desta minha frase, aí citada: “Aqueles que não vêem uma única coisa positiva na experiência colonial deverão considerar a colonização de Timor Oriental pelos portugueses como exemplar, já que primou pela ausência e pela pouca interferência nas estruturas sociais e culturais timorenses.” No mesmo blog “acusavam-me” ainda de ser um teórico da formação de elites. Analisemos então estas “acusações”, num espírito construtivo para ajudar alguns espíritos mais confundidos a verem a luz.
Quando se debate o colonialismo aparecem frequentemente os zelotes convencidos de que são donos da verdade, fanáticos dispostos a passar por cima de todos os factos que dificultem a adequação das suas teorias e grelhas de análise. Há uns de um lado a defender o nacionalismo serôdio das potências coloniais e a sua missão civilizadora atribuída directamente por Deus e “o fardo do homem branco”, e há os que estão do outro lado e que defendem a pureza igualitária imaculada dos povos oprimidos e a sua cultura superior própria de um Éden onde não havia injustiça antes da chegada do pérfido europeu. Estes são os teóricos d”o remorso do homem branco”, como explica Pascal Bruckner.
Vejamos o que dizem sobre esta questão dois académicos prestigiados da área dos estudos timorenses, Geoffrey Stephen Hull, Ph.D, da University of Western Sydney, e Adérito José Guterres Correia, M.A., da Universidade Nacional Timor Lorosa’e e sub-director do Instituto Nacional de Linguística, num livro que ambos escreveram e que recomendo a todos os cooperantes que trabalham com seriedade em Timor ou por Timor:
“Nu'udar ita hatene, prosesu istóriku ida-ne'ebé ita bolu naran kolonializmu iha aspetu barak. Ema polítiku sira temi beibeik kona-ba aspetu aat ka negativu kolonializmu nian, n.e. nasaun ida hadau nasaun seluk, hanehan populasaun mahorik hodi susu rain ne'e nia bokur no rikusoin tomak. Maibé ema matenek sira rekoñese mós kolonializmu nia aspetu di'ak ka pozitivu oioin, liuliu troka kulturál. Kontaktu ho ema raiseluk sira fó mós ba ema rai-na'in sira leet atu aprende buat barak, la'ós de'it hadi'a sira-nia teknolojia, maibé mós leet atu haluan no haburas sira-nia matenek.
Liuhosi kolonializmu portugés iha Timór, hanesan kolonializmu olandés iha rai-Indonézia, ema mahorik sira iha Nusa-Lubun Malaiu tama ba kontaktu ho kultura rai-Europa nian no mós ho matenek internasionál. Lia-tetun no lia-malaiu simu hosi lia-portugés ka lia-olandés termu tékniku, abstratu no modernu rihun ba rihun. Tan ne'e, lia-malaiu no lia-tetun hetan sorte atubele fahe lisuk rikusoin intelektuál boot ne'ebé naklekar hosi rai-Europa ba mundu tomak.” (página 95)
O livro chama-se “Kursu Gramátika Tetun – Ba Profesór, Tradutór, Jornalista no Estudante-Universidade Sira” e foi publicado em Díli, em 2005, pelo Instituto Nacional de Linguística (sairam duas edições, estou a citar a que tem prefácio do então Primeiro-Ministro, Dr. Mari Alkatiri).
Vou traduzir o excerto, para aqueles malais teóricos do poder popular que em Timor só falam com as elites e cujo contacto com o povo se limita a “Mana, kafé ida, mas tem que ser curto, escaldado e bem tirado!”.
“Como sabemos, o processo histórico a que chamamos colonialismo tem muitos aspectos. Os políticos mencionam muitas vezes os aspectos maus ou negativos do colonialismo, como a ocupação de uma nação por outra, e o espezinhamento dos seus habitantes para sugar todos os recursos e riquezas dessa terra. Mas as pessoas inteligentes também reconhecem aspectos bons ou positivos do colonialismo, principalmente ao nível das trocas culturais. Os contactos com gente de outras terras permitiram também às populações autóctones aprenderem muitas coisas, não apenas melhorando a sua tecnologia, mas dando-lhes também oportunidade de alargar os seus horizontes intelectuais e culturais.
Através do colonialismo português em Timor, bem como do colonialismo holandês na Indonésia, os habitantes do Arquipélago Malaio entraram em contacto com a cultura europeia e com a ciência internacional. A língua tétum e a língua malaia receberam do português e do holandês milhares de termos técnicos, abstractos e modernos. Por isso, o malaio e o tétum tiveram sorte em poderam partilhar riquezas intelectuais importantes que se espalharam da Europa para o mundo inteiro.” [o sublinhado é meu].
Em relação ao outro assunto, a ideia de ter algumas escolas de qualidade para formar elites não é obviamente minha, é muito antiga. Penso que a educação devia chegar a todos, mas não construo castelos no ar, porque vivo no Timor real. Ainda anteontem em Liquiçá um professor do ensino pré-secundário (7º ao 9º ano) me dizia que não tinham professores suficientes na escola dele para ensinar em português (apesar de serem essas as instruções oficiais) e que os poucos que tinha havido eram de lorosa’e e tinham fugido para as suas regiões de origem com medo de ataques. De resto, a Dona “margarida” [a tal senhora que me fez as acusações], se morar agora em Díli, ou vier a morar, vai pôr os seus filhos na Escola Portuguesa (para elites) ou continuará adepta de uma educação igual para toda a gente e de maneira coerente matriculará as suas crianças numa escola como a 28 de Novembro? E dou o exemplo da Escola 28 de Novembro por duas razões: 1) tem um nome revolucionário; 2) os seus filhos poderão talvez, com sorte, vir a ter a oportunidade de ver as massas populares em acção, e participar até nos acontecimentos, já que essa escola tem no seu palmarés ter sido o ponto de partida dos motins infanto-juvenis de 4 de Dezembro de 2002. Agora sem ironia, não há nada que distinga especialmente esta escola, e os jovens delinquentes pirómanos poderiam ter surgido de outra qualquer, como mostra a última vaga de incêndios nestes meses recentes. Timor tem uma percentagem muitíssimo grande da população constituída por crianças e jovens, que na maioria vão para a escola sem outra perspectiva que não seja vir a conseguir um “padrinho” que arranje um lugar na função pública ou então um emprego como “segurança”, eufemismo local para indivíduos contratados para dormir em frente à porta dos malais e endinheirados. Quase não há sector privado, faltam cá ainda “capitalistas”, “burgueses” e outros “inimigos das classes populares” que possam finalmente dinamizar a economia e arranjar mercado de trabalho para esta malta toda, recrutando mão-de-obra usando como critério o mérito individual do candidato. Há demasiados jovens cuja única forma de sobressair perante os seus pares é “armarem-se em galo de combate”.
Existem por outro lado muitos malais internacionalistas que ganham muito, compram nos supermercados produtos importados (até a hortaliça que comem vem da Austrália), mandam a maior do dinheiro que ganham para as suas contas bancárias nos países de origem, e são paladinos do poder popular e do anti-neo-colonialismo!
O corpo docente das escolas timorenses tem pouca formação, há grande falta de livros, a maior parte das pessoas fala ou compreende pelo menos algum português mas não o suficiente para ler nessa língua, os hábitos de leitura são de resto quase inexistentes, em qualquer idioma... O aluno médio termina a escola secundária com uma deficiente preparação de base que não lhe permite frequentar as universidades portuguesas, por exemplo. Por isso é que me parece não apenas importante, mas crucial, para o futuro do país que surjam algumas escolas de qualidade superior para a formação dos quadros que irão tomar conta do país daqui por uns anos. Neste momento há demasiadas instituições e estruturas do Estado que dependem ainda do trabalho de assessores internacionais para funcionarem, se não tivermos algumas escolas de excelência estaremos pior daqui por vinte anos.
Para as pessoas que andam à procura de cartões partidários para decidir se uma ideia é válida ou não, permito-me invocar aqui uma personalidade que certamente não irão atacar. Conheci na Guiné-Bissau quadros guineenses que deviam a sua educação e o seu sucesso como intelectuais aos esforços de Amílcar Cabral, que, há mais de três décadas, andava às vezes pelas tabancas da Guiné a procurar crianças com melhores resultados escolares para pedir aos pais delas que o deixassem mandá-las para uma escola-piloto numa base do seu movimento na Guiné-Conacri, para serem formadas e poderem servir no futuro o seu país. Alguns desses quadros eram provenientes de famílias muito humildes de camponeses ou vaqueiros (os seus irmãos continuam ainda a viver nas tabancas dos antepassados) e nunca teriam podido explorar todo o seu potencial se não tivessem tido a oportunidade de entrar numa escola de qualidade.
Não vão ser as massas de camponeses analfabetos que irão tomar conta das universidades, dos ministérios, dos bancos, das empresas, das companhias de telecomunicações, electricidade, água... Também não vão poder ser muitos dos alunos que actualmente chegam ao ensino superior em Timor. Há que deixar de ter medo das palavras, o país precisa de elites, de indivíduos bem formados – por muito que isso seja difícil de perceber para uns quantos líricos teóricos do poder das massas populares que andam por aí. No romance “Mayombe”, do escritor angolano Pepetela, há um personagem, chamado Mundo Novo, que também defende esse tipo de ideias. Diz ele:
“(...) Como se fosse possível fazer-se uma Revolução só com homens interesseiros, egoístas! Eu não sou egoísta, o marxismo-leninismo mostrou-me que o homem como indivíduo não é nada, só as massas constroem a história. Se fosse egoísta, agora estaria na Europa, como tantos outros, trabalhando e ganhando bem. Porque vim lutar? Porque sou desinteressado. Os operários e os camponeses são desinteressados, são a vanguarda do povo, vanguarda pura, que não transporta com ela o pecado original da burguesia de que os intelectuais só muito dificilmente se podem libertar. Eu libertei-me, graças ao marxismo.(...)”.
Na época os “intelectuais revolucionários desinteressados” tinham que abdicar dos empregos bem pagos na Europa, felizmente agora para os “malais desinteressados adeptos do poder das massas” existem ajudas de custo, e bar do Hotel Timor, e salários milionários na ONU ou na cooperação bilateral, e viagens a Auckland, Hong Kong, Bali, etc... Eu ganho mais do que a maior parte dos timorenses (e menos do que a grande maioria dos malais), mas não sou hipócrita. Enfim, na sequência das reflexões e debates no livro há um outro personagem, Sem Medo, que mais à frente diz:
“(...) É que, nos nossos países, tudo repousa num núcleo restrito, porque há falta de quadros, por vezes num só homem. Como contestar no interior dum grupo restrito? Porque é demagogia dizer que o proletariado tomará o poder. Quem toma o poder é um pequeno grupo de homens, na melhor das hipóteses, representando o proletariado ou querendo representá-lo. A mentira começa quando se diz que o proletariado tomou o poder. Para fazer parte da equipa dirigente, é preciso ter uma razoável formação política e cultural. O operário que a isso acede passou muitos anos ou na organização ou estudando. Deixa de ser proletário, é um intelectual. Mas nós todos temos medo de chamar as coisas pelos seus nomes e, sobretudo, esse nome de intelectual. Tu, Comissário, és um camponês? Porque o teu pai foi camponês, tu és camponês? Estudaste um pouco, leste muito, há anos que fazes um trabalho político, és um camponês? Não, és um intelectual. Negá-lo é demagogia, é populismo. (...) Mas começa-se a mentir ao povo, o qual bem vê que não controla nada o Partido nem o Estado e é o princípio da desconfiança, à qual se sucederá a desmobilização. (...) Como todos os do teu grupo, pensas que se não pode dizer a verdade ao povo, senão ele desmobiliza-se.(...)”
Sou da opinião que – enquanto o português não é dominado por muitos alunos – o romance de Pepetela “A geração da utopia” devia ser traduzido para tétum e tornado leitura obrigatória nas escolas todas do país.
Quando se debate o colonialismo aparecem frequentemente os zelotes convencidos de que são donos da verdade, fanáticos dispostos a passar por cima de todos os factos que dificultem a adequação das suas teorias e grelhas de análise. Há uns de um lado a defender o nacionalismo serôdio das potências coloniais e a sua missão civilizadora atribuída directamente por Deus e “o fardo do homem branco”, e há os que estão do outro lado e que defendem a pureza igualitária imaculada dos povos oprimidos e a sua cultura superior própria de um Éden onde não havia injustiça antes da chegada do pérfido europeu. Estes são os teóricos d”o remorso do homem branco”, como explica Pascal Bruckner.
Vejamos o que dizem sobre esta questão dois académicos prestigiados da área dos estudos timorenses, Geoffrey Stephen Hull, Ph.D, da University of Western Sydney, e Adérito José Guterres Correia, M.A., da Universidade Nacional Timor Lorosa’e e sub-director do Instituto Nacional de Linguística, num livro que ambos escreveram e que recomendo a todos os cooperantes que trabalham com seriedade em Timor ou por Timor:
“Nu'udar ita hatene, prosesu istóriku ida-ne'ebé ita bolu naran kolonializmu iha aspetu barak. Ema polítiku sira temi beibeik kona-ba aspetu aat ka negativu kolonializmu nian, n.e. nasaun ida hadau nasaun seluk, hanehan populasaun mahorik hodi susu rain ne'e nia bokur no rikusoin tomak. Maibé ema matenek sira rekoñese mós kolonializmu nia aspetu di'ak ka pozitivu oioin, liuliu troka kulturál. Kontaktu ho ema raiseluk sira fó mós ba ema rai-na'in sira leet atu aprende buat barak, la'ós de'it hadi'a sira-nia teknolojia, maibé mós leet atu haluan no haburas sira-nia matenek.
Liuhosi kolonializmu portugés iha Timór, hanesan kolonializmu olandés iha rai-Indonézia, ema mahorik sira iha Nusa-Lubun Malaiu tama ba kontaktu ho kultura rai-Europa nian no mós ho matenek internasionál. Lia-tetun no lia-malaiu simu hosi lia-portugés ka lia-olandés termu tékniku, abstratu no modernu rihun ba rihun. Tan ne'e, lia-malaiu no lia-tetun hetan sorte atubele fahe lisuk rikusoin intelektuál boot ne'ebé naklekar hosi rai-Europa ba mundu tomak.” (página 95)
O livro chama-se “Kursu Gramátika Tetun – Ba Profesór, Tradutór, Jornalista no Estudante-Universidade Sira” e foi publicado em Díli, em 2005, pelo Instituto Nacional de Linguística (sairam duas edições, estou a citar a que tem prefácio do então Primeiro-Ministro, Dr. Mari Alkatiri).
Vou traduzir o excerto, para aqueles malais teóricos do poder popular que em Timor só falam com as elites e cujo contacto com o povo se limita a “Mana, kafé ida, mas tem que ser curto, escaldado e bem tirado!”.
“Como sabemos, o processo histórico a que chamamos colonialismo tem muitos aspectos. Os políticos mencionam muitas vezes os aspectos maus ou negativos do colonialismo, como a ocupação de uma nação por outra, e o espezinhamento dos seus habitantes para sugar todos os recursos e riquezas dessa terra. Mas as pessoas inteligentes também reconhecem aspectos bons ou positivos do colonialismo, principalmente ao nível das trocas culturais. Os contactos com gente de outras terras permitiram também às populações autóctones aprenderem muitas coisas, não apenas melhorando a sua tecnologia, mas dando-lhes também oportunidade de alargar os seus horizontes intelectuais e culturais.
Através do colonialismo português em Timor, bem como do colonialismo holandês na Indonésia, os habitantes do Arquipélago Malaio entraram em contacto com a cultura europeia e com a ciência internacional. A língua tétum e a língua malaia receberam do português e do holandês milhares de termos técnicos, abstractos e modernos. Por isso, o malaio e o tétum tiveram sorte em poderam partilhar riquezas intelectuais importantes que se espalharam da Europa para o mundo inteiro.” [o sublinhado é meu].
Em relação ao outro assunto, a ideia de ter algumas escolas de qualidade para formar elites não é obviamente minha, é muito antiga. Penso que a educação devia chegar a todos, mas não construo castelos no ar, porque vivo no Timor real. Ainda anteontem em Liquiçá um professor do ensino pré-secundário (7º ao 9º ano) me dizia que não tinham professores suficientes na escola dele para ensinar em português (apesar de serem essas as instruções oficiais) e que os poucos que tinha havido eram de lorosa’e e tinham fugido para as suas regiões de origem com medo de ataques. De resto, a Dona “margarida” [a tal senhora que me fez as acusações], se morar agora em Díli, ou vier a morar, vai pôr os seus filhos na Escola Portuguesa (para elites) ou continuará adepta de uma educação igual para toda a gente e de maneira coerente matriculará as suas crianças numa escola como a 28 de Novembro? E dou o exemplo da Escola 28 de Novembro por duas razões: 1) tem um nome revolucionário; 2) os seus filhos poderão talvez, com sorte, vir a ter a oportunidade de ver as massas populares em acção, e participar até nos acontecimentos, já que essa escola tem no seu palmarés ter sido o ponto de partida dos motins infanto-juvenis de 4 de Dezembro de 2002. Agora sem ironia, não há nada que distinga especialmente esta escola, e os jovens delinquentes pirómanos poderiam ter surgido de outra qualquer, como mostra a última vaga de incêndios nestes meses recentes. Timor tem uma percentagem muitíssimo grande da população constituída por crianças e jovens, que na maioria vão para a escola sem outra perspectiva que não seja vir a conseguir um “padrinho” que arranje um lugar na função pública ou então um emprego como “segurança”, eufemismo local para indivíduos contratados para dormir em frente à porta dos malais e endinheirados. Quase não há sector privado, faltam cá ainda “capitalistas”, “burgueses” e outros “inimigos das classes populares” que possam finalmente dinamizar a economia e arranjar mercado de trabalho para esta malta toda, recrutando mão-de-obra usando como critério o mérito individual do candidato. Há demasiados jovens cuja única forma de sobressair perante os seus pares é “armarem-se em galo de combate”.
Existem por outro lado muitos malais internacionalistas que ganham muito, compram nos supermercados produtos importados (até a hortaliça que comem vem da Austrália), mandam a maior do dinheiro que ganham para as suas contas bancárias nos países de origem, e são paladinos do poder popular e do anti-neo-colonialismo!
O corpo docente das escolas timorenses tem pouca formação, há grande falta de livros, a maior parte das pessoas fala ou compreende pelo menos algum português mas não o suficiente para ler nessa língua, os hábitos de leitura são de resto quase inexistentes, em qualquer idioma... O aluno médio termina a escola secundária com uma deficiente preparação de base que não lhe permite frequentar as universidades portuguesas, por exemplo. Por isso é que me parece não apenas importante, mas crucial, para o futuro do país que surjam algumas escolas de qualidade superior para a formação dos quadros que irão tomar conta do país daqui por uns anos. Neste momento há demasiadas instituições e estruturas do Estado que dependem ainda do trabalho de assessores internacionais para funcionarem, se não tivermos algumas escolas de excelência estaremos pior daqui por vinte anos.
Para as pessoas que andam à procura de cartões partidários para decidir se uma ideia é válida ou não, permito-me invocar aqui uma personalidade que certamente não irão atacar. Conheci na Guiné-Bissau quadros guineenses que deviam a sua educação e o seu sucesso como intelectuais aos esforços de Amílcar Cabral, que, há mais de três décadas, andava às vezes pelas tabancas da Guiné a procurar crianças com melhores resultados escolares para pedir aos pais delas que o deixassem mandá-las para uma escola-piloto numa base do seu movimento na Guiné-Conacri, para serem formadas e poderem servir no futuro o seu país. Alguns desses quadros eram provenientes de famílias muito humildes de camponeses ou vaqueiros (os seus irmãos continuam ainda a viver nas tabancas dos antepassados) e nunca teriam podido explorar todo o seu potencial se não tivessem tido a oportunidade de entrar numa escola de qualidade.
Não vão ser as massas de camponeses analfabetos que irão tomar conta das universidades, dos ministérios, dos bancos, das empresas, das companhias de telecomunicações, electricidade, água... Também não vão poder ser muitos dos alunos que actualmente chegam ao ensino superior em Timor. Há que deixar de ter medo das palavras, o país precisa de elites, de indivíduos bem formados – por muito que isso seja difícil de perceber para uns quantos líricos teóricos do poder das massas populares que andam por aí. No romance “Mayombe”, do escritor angolano Pepetela, há um personagem, chamado Mundo Novo, que também defende esse tipo de ideias. Diz ele:
“(...) Como se fosse possível fazer-se uma Revolução só com homens interesseiros, egoístas! Eu não sou egoísta, o marxismo-leninismo mostrou-me que o homem como indivíduo não é nada, só as massas constroem a história. Se fosse egoísta, agora estaria na Europa, como tantos outros, trabalhando e ganhando bem. Porque vim lutar? Porque sou desinteressado. Os operários e os camponeses são desinteressados, são a vanguarda do povo, vanguarda pura, que não transporta com ela o pecado original da burguesia de que os intelectuais só muito dificilmente se podem libertar. Eu libertei-me, graças ao marxismo.(...)”.
Na época os “intelectuais revolucionários desinteressados” tinham que abdicar dos empregos bem pagos na Europa, felizmente agora para os “malais desinteressados adeptos do poder das massas” existem ajudas de custo, e bar do Hotel Timor, e salários milionários na ONU ou na cooperação bilateral, e viagens a Auckland, Hong Kong, Bali, etc... Eu ganho mais do que a maior parte dos timorenses (e menos do que a grande maioria dos malais), mas não sou hipócrita. Enfim, na sequência das reflexões e debates no livro há um outro personagem, Sem Medo, que mais à frente diz:
“(...) É que, nos nossos países, tudo repousa num núcleo restrito, porque há falta de quadros, por vezes num só homem. Como contestar no interior dum grupo restrito? Porque é demagogia dizer que o proletariado tomará o poder. Quem toma o poder é um pequeno grupo de homens, na melhor das hipóteses, representando o proletariado ou querendo representá-lo. A mentira começa quando se diz que o proletariado tomou o poder. Para fazer parte da equipa dirigente, é preciso ter uma razoável formação política e cultural. O operário que a isso acede passou muitos anos ou na organização ou estudando. Deixa de ser proletário, é um intelectual. Mas nós todos temos medo de chamar as coisas pelos seus nomes e, sobretudo, esse nome de intelectual. Tu, Comissário, és um camponês? Porque o teu pai foi camponês, tu és camponês? Estudaste um pouco, leste muito, há anos que fazes um trabalho político, és um camponês? Não, és um intelectual. Negá-lo é demagogia, é populismo. (...) Mas começa-se a mentir ao povo, o qual bem vê que não controla nada o Partido nem o Estado e é o princípio da desconfiança, à qual se sucederá a desmobilização. (...) Como todos os do teu grupo, pensas que se não pode dizer a verdade ao povo, senão ele desmobiliza-se.(...)”
Sou da opinião que – enquanto o português não é dominado por muitos alunos – o romance de Pepetela “A geração da utopia” devia ser traduzido para tétum e tornado leitura obrigatória nas escolas todas do país.
segunda-feira, julho 24, 2006
Timor-Leste - violência em Díli não travou boda
Timor-Leste - violência em Díli não travou boda
CORREIO DA MANHÃ
2006-07-23 - 00:00:00
Timor-Leste - violência em Díli não travou boda
Amor foi mais forte que medo da guerra
Iolanda Vilar, Lamego
CORREIO DA MANHÃ
2006-07-23 - 00:00:00
Timor-Leste - violência em Díli não travou boda
Amor foi mais forte que medo da guerra
O título de García Márquez, ‘O Amor nos Tempos de Cólera’ – que este jovem professor de 33 anos toma de empréstimo – caracteriza bem a boda de um jovem casal, ele português, natural de Ílhavo, e ela timorense, de Liquiçá, no passado dia 10 de Junho.
Enquanto em Portugal se comemorava o Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas, João Paulo Esperança e Fernanda selavam o seu amor numa pequena Igreja em Liquiçá, uma cidade na costa norte de Timor-Leste. É mesmo caso para dizer que o amor vence todos os ódios e disputas. O clima de tensão não foi impeditivo para o casal manter os planos de casamento. Mesmo com padrinhos de última hora, sem convites impressos, sem banda de música e com a ausência de muitos convidados, a cerimónia decorreu dentro da normalidade possível. “O comércio em Díli estava fechado e as pessoas confinadas às suas casas ou a campos de deslocados, enquanto grupos armados andavam aos tiros em Díli”, recorda.“Para mim é a data em que celebrei a minha união com Fernanda, a mulher maravilhosa que encheu de felicidade a minha vida”, confessa João Paulo Esperança, num pequeno texto, no seu blogue, onde ao longo de vários meses deu conta da sua estadia na Terra do Crocodilo. A crise político-militar que abalou Timor alterou por completo os planos do casamento, que apenas se concretizou devido à persistência dos noivos, que não se intimidaram pelo poder das armas e de notícias avassaladoras de ódio e morte que rondavam as suas vidas. Os padrinhos iniciais eram dois timorenses crescidos no exílio, na Austrália e Portugal, mas que perante a revolta, fugiram para o estrangeiro, como fizeram muitos dos timorenses com passaportes de Portugal ou da Austrália. Os tios da noiva foram os padrinhos alternativos. A cerimónia contou apenas com uma ínfima parte dos convidados, e para contornar a ausência de um convite, o casal optou por formalizá-lo via sms. Tradicionalmente as cerimónias religiosas de casamento realizam-se à tarde e são precedidas de um banquete mas, com medo da noite, os noivos optaram por uma missa seguida de um almoço para família e amigos próximos. Um mês depois do enlace, João e Fernanda enfrentam o futuro “de olhos postos no horizonte, no sol que se vislumbra lá ao longe, para lá das nuvens escuras que ainda persistem no céu azul de Timor”. E como o apelido Esperança também significa preserverança e confiança, é com esse sentimento que os dois jovens enfrentam o futuro.
SOLTAS
PROFESSOR
João Paulo Esperança é professor e está há cinco anos a leccionar em Timor. É docente na Universidade Nacional de Timor Lorosae, actualmente, no âmbito de um programa de cooperação da FUP - Fundação das Universidades Portuguesas. Aos 33 anos dá aulas de Linguística. Foi em Timor que conheceu Fernanda, o amor da sua vida.
PAIS ANSIOSOS
A residir em Ílhavo, terra que viu nascer e crescer João Paulo há 33 anos, João Esperança e a esposa contam os dias que faltam para reencontrar o filho, e finalmente, conhecer a nora. “Apenas falei com ela ao telefone e tem uma voz muito meiga”, refere. “Queremos muito conhecer a mulher que está a fazer o meu filho feliz”, diz.
RISCOS
João Paulo optou por ficar em Timor-Leste, apesar da conturbada situação que o País enfrentou, mas não pensou duas vezes em permanecer junto da noiva, amigos e alunos. “Estava consciente dos riscos”, afirma. Nos primeiros dias de confronto aceso, João Paulo Esperança chegou a dar aulas ao som de tiros.
Iolanda Vilar, Lamego
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sexta-feira, julho 07, 2006
quinta-feira, julho 06, 2006
Jogo do Pau
Fotografias de brincadeiras a tentar recordar os movimentos básicos do Jogo do Pau no jardim da casa que alugámos aqui em Díli. Isto foi antes de eu cortar o cabelo...
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terça-feira, julho 04, 2006
segunda-feira, julho 03, 2006
Xenofobia em Timor
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Felicidade no aconchego do meu lar
Num serão calmo, a ver televisão com a minha esposa no aconchego do meu lar...
Díli não é só violência, ainda que seja actualmente um lugar algo inusitado para passar uma lua-de-mel...
Díli não é só violência, ainda que seja actualmente um lugar algo inusitado para passar uma lua-de-mel...
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sábado, julho 01, 2006
quarta-feira, junho 28, 2006
terça-feira, junho 13, 2006
terça-feira, junho 06, 2006
segunda-feira, junho 05, 2006
Sinál balu rekuperasaun nian
Ha'u foin haree iha telejornál RTTL nian reportajen ida ne'ebé sira filma ohin ke hatudu sala balu nakonu ho labarik iha Eskola S. José iha Balide. Responsavel ida husi eskola ne'e esplika katak nia ta'uk, hanesan estudante sira no ema hotu-hotu, maibé nia hanoin katak di'ak liu pasa tempu iha atividade pozitiva duké iha de'it atitude negativa. Nia hatutan katak objetivu ida husi eskola maka hanorin labarik sira ne'ebé atu sai na'i-ulun nasaun nian aban-bainrua no katak na'i-ulun sira labele ta'uk-teen.
Sinál ida katak iha-ne'e mós “maski iha kalan triste liu/ iha tempu atan nian/ sempre iha ema ruma ne’ebé reziste/ sempre iha ema ruma ne’ebé dehan lae” (hanesan uluk poeta portugés Manuel Alegre hakerek no Adriano Correia de Oliveira hananu). Timoroan barak lakohi pasa fulan hirak oinmai tuur hela iha estrada ninin de'it hodi haree karreta-blindadu australianu sira-nian liu bá-mai.
Sinál ida katak iha-ne'e mós “maski iha kalan triste liu/ iha tempu atan nian/ sempre iha ema ruma ne’ebé reziste/ sempre iha ema ruma ne’ebé dehan lae” (hanesan uluk poeta portugés Manuel Alegre hakerek no Adriano Correia de Oliveira hananu). Timoroan barak lakohi pasa fulan hirak oinmai tuur hela iha estrada ninin de'it hodi haree karreta-blindadu australianu sira-nian liu bá-mai.
Chegou a GNR
A GNR ja esta em Timor, o comercio comeca a ter confianca para voltar a funcionar (o City Cafe ja voltou a actividade, p.ex.), passei ha bocadinho nos correios de motorizada e tinham ja a porta aberta, os colegas que trabalham como consultores no Parlamento ja voltaram ao trabalho... Os alunos perguntam-nos quando recomecam as aulas... Isto esta a voltar a funcionar...
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sexta-feira, junho 02, 2006
Ainda ha policia timorense em Dili afinal
Timor-Leste: Multidão pilha armazéns do governo em Díli
Díli, 02 Jun (Lusa) - Cerca de mil pessoas pilharam hoje armazéns do go verno na capital timorense, roubando computadores, cadeiras, partes de automóvei s e até instrumentos musicais, que carregaram em camiões.
Perante a ausência de tropas da força multinacional, a multidão começou o saque na manhã de hoje, quando esperava a distribuição de arroz e descobriu q ue o armazém onde estava guardado fora esvaziado durante a noite.
Esta manha quando vinha do supermercado Landmark com colegas (eu fui comprar mantimentos para levar para casa da minha noiva e o grupo foi comprar caixas de agua para entregarmos aos refugiados), na estrada que vem de Comoro, entre o heliporto e as bombas de gasolina, vi uns tres carros da policia timorense que estavam a interceptar uma carrinha de caixa aberta carregada de material de escritorio aparentemente roubado.
Um sinal de que ha quem trabalhe para repor a lei e a ordem nas ruas de Dili... Parabens aos policias timorenses envolvidos na operacao, pelo espirito patriotico e por permanecerem fieis aos compromisso que assumiram de proteger as pessoas e os seus bens. Sinais de esperanca em tempos conturbados...
Díli, 02 Jun (Lusa) - Cerca de mil pessoas pilharam hoje armazéns do go verno na capital timorense, roubando computadores, cadeiras, partes de automóvei s e até instrumentos musicais, que carregaram em camiões.
Perante a ausência de tropas da força multinacional, a multidão começou o saque na manhã de hoje, quando esperava a distribuição de arroz e descobriu q ue o armazém onde estava guardado fora esvaziado durante a noite.
Esta manha quando vinha do supermercado Landmark com colegas (eu fui comprar mantimentos para levar para casa da minha noiva e o grupo foi comprar caixas de agua para entregarmos aos refugiados), na estrada que vem de Comoro, entre o heliporto e as bombas de gasolina, vi uns tres carros da policia timorense que estavam a interceptar uma carrinha de caixa aberta carregada de material de escritorio aparentemente roubado.
Um sinal de que ha quem trabalhe para repor a lei e a ordem nas ruas de Dili... Parabens aos policias timorenses envolvidos na operacao, pelo espirito patriotico e por permanecerem fieis aos compromisso que assumiram de proteger as pessoas e os seus bens. Sinais de esperanca em tempos conturbados...
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quinta-feira, junho 01, 2006
A ajudar a medica da Cooperacao Portuguesa - hoje
Professores portugueses da FUP e do ME a ajudar a medica da Cooperacao Portuguesa a dar desparasitantes de administracao oral a criancas refugiadas:
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Professores portugueses em Dili hoje
Em varios lugares onde a populacao se tem concentrado procurando refugio a tendencia agora esta a ser passar la a noite (onde se sentem seguros) e durante o dia voltar para as suas casas, ir levantar sacos de arroz onde estes estao a ser distribuidos, ou fazer pela vida pescando e vendendo o peixe na rua, fazendo venda ambulante de tangerinas, etc...
Assim durante o dia o numero de refugiados diminui, mas ha quem fique mesmo assim, alguns porque ja nao tem casa, nem nada...
As fotografias abaixo mostram professores portugueses da Fundacao das Universidades Portuguesas e do Ministerio da Educacao a distribuirem comida, agua e chupa-chupas a criancas refugiadas (na Igreja Evangelica, na Igreja de Motael, no jardim do Banco Mundial) e a fazerem actividades recreativas com esses meninos e meninas:
Assim durante o dia o numero de refugiados diminui, mas ha quem fique mesmo assim, alguns porque ja nao tem casa, nem nada...
As fotografias abaixo mostram professores portugueses da Fundacao das Universidades Portuguesas e do Ministerio da Educacao a distribuirem comida, agua e chupa-chupas a criancas refugiadas (na Igreja Evangelica, na Igreja de Motael, no jardim do Banco Mundial) e a fazerem actividades recreativas com esses meninos e meninas:
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A assistencia humanitaria da ONU esta de ferias em Darwin?
Hoje de manha o Nuno Matias, da FUP, tres colegas do ME, a Marta, a Ana e a Susana, e eu, andamos a distribuir pao, agua e chupa-chupas as criancas em lugares onde ha populacao refugiada aqui em Dili. Ha outros grupos de cooperantes portugueses a fazer o mesmo, e outros que com grande profissionalismo mantem o funcionamento de instituicoes cruciais neste momento, como a Alfandega (para entrada de produtos tao necessarios).
Enquanto isto, nao se percebe muito bem onde estao os aparelhos de assistencia humanitaria do Programa Alimentar Mundial, do ACNUR, da UNICEF... Estao todos de ferias em Darwin?
Enquanto isto, nao se percebe muito bem onde estao os aparelhos de assistencia humanitaria do Programa Alimentar Mundial, do ACNUR, da UNICEF... Estao todos de ferias em Darwin?
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quarta-feira, maio 31, 2006
SNESup errou
Lisboa, 30 Mai (Lusa) - O Sindicato Nacional do Ensino Superior (SNESup) pediu hoje ao Governo que alerte os professores portugueses em Timor-Leste para o "perigo que correm", defendendo que os docentes "não têm a percepção exacta do risco" de permanecer no país.
Sou professor do Ensino Superior em Dili e nao passei procuracao ao Sindicato Nacional do Ensino Superior para - la em Lisboa! - decidir se eu tenho ou nao percepcao exacta do risco que corro. Estou consciente de que ha riscos em pernanecer, mas nao me lembro de o SNESup fazer comunicados destes aquando dos motins recentes na Franca ou durante as decadas que durou a guerra civil angolana, por exemplo, em que havia uma situacao de guerra real - coisa bem diferente do que esta a acontecer em Dili neste momento. A Cooperacao Portuguesa tem ajudado os docentes que partiram nos ultimos dias (por os seus contratos terem terminado ou por terem decidido partir por vontade propria) fornecendo transporte seguro ate ao aeroporto e tratando de questoes relativas a antecipacao de datas dos bilhetes. Ninguem esta ca contra a sua vontade, mas por opcao propria, porque acreditamos no que estamos a fazer.
Sou professor do Ensino Superior em Dili e nao passei procuracao ao Sindicato Nacional do Ensino Superior para - la em Lisboa! - decidir se eu tenho ou nao percepcao exacta do risco que corro. Estou consciente de que ha riscos em pernanecer, mas nao me lembro de o SNESup fazer comunicados destes aquando dos motins recentes na Franca ou durante as decadas que durou a guerra civil angolana, por exemplo, em que havia uma situacao de guerra real - coisa bem diferente do que esta a acontecer em Dili neste momento. A Cooperacao Portuguesa tem ajudado os docentes que partiram nos ultimos dias (por os seus contratos terem terminado ou por terem decidido partir por vontade propria) fornecendo transporte seguro ate ao aeroporto e tratando de questoes relativas a antecipacao de datas dos bilhetes. Ninguem esta ca contra a sua vontade, mas por opcao propria, porque acreditamos no que estamos a fazer.
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segunda-feira, maio 29, 2006
Dias de orgulho
Critiquei algumas vezes no passado a atitude de muitos portugueses em Timor, nomeadamente por nao se esforcarem minimamente por aprender tetum. Pois hoje posso dizer com sinceridade que sinto um grande orgulho por ser portugues em Timor e testemunhar aqui a serenidade com que a comunidade portuguesa tem encarado a situacao tensa dos ultimos dias, e a forma como tem manifestado a sua solidariedade com o povo timorense recusando-se a abandonar o pais, para poder retomar o trabalho o mais brevemente possivel.
Um obrigado especial ao Victor e ao Joao, coordenadores do projecto no qual trabalho, porque tem gerido a situacao com grande profissionalismo.
Um obrigado especial para o meu pai tambem, por me terem acordado a telefonar la de Portugal quando aqui eram seis da manha a perguntar: Entao esses medrosos vao fugir? Tu nao vais fugir, pois nao?!?
Um obrigado mais especial ainda para a minha noiva, que comigo decidiu ontem a noite (quando se perspectivava uma evacuacao) que ficariamos, porque ha um amanha. E vai ser um dia de sol.
Um obrigado especial ao Victor e ao Joao, coordenadores do projecto no qual trabalho, porque tem gerido a situacao com grande profissionalismo.
Um obrigado especial para o meu pai tambem, por me terem acordado a telefonar la de Portugal quando aqui eram seis da manha a perguntar: Entao esses medrosos vao fugir? Tu nao vais fugir, pois nao?!?
Um obrigado mais especial ainda para a minha noiva, que comigo decidiu ontem a noite (quando se perspectivava uma evacuacao) que ficariamos, porque ha um amanha. E vai ser um dia de sol.
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Vitor Ambrósio
Ainda ha esperanca
Encontrei agora mesmo isto no blog Timor-online:
Lisboa, 28 Mai (Lusa) - O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) negou hoje ter ordenado o regresso a Portugal dos professores portugueses colocados em Timor-Leste, ao abrigo da cooperação bilateral."Não há qualquer decisão conjunta do MNE e do Ministério da Educação sobre o regresso dos professores portugueses que se encontram em Timor-Leste", assegurou o porta-voz do ministro, António Carneiro Jacinto, em declarações à Lusa.Vários docentes colocados em Timor-Leste revelaram hoje à Agência Lusa, em Díli, que havia uma decisão conjunta dos dois ministérios naquele sentido e que lhes foi transmitido hoje que deveriam regressar terça ou quarta-feira a Lisboa, devido à impossibilidade de se concluir formalmente o ano lectivo em curso.Esta informação foi também transmitida hoje a professores que se encontram colocados fora de Díli, nomeadamente na zona leste do país, que receberam a indicação de que deviam regressar à capital timorense já na segunda-feira para embarcarem terça ou quarta-feira para Darwin (Austrália), de onde seguiriam depois para Portugal.Contudo, o porta-voz do MNE garantiu que "a evacuação, designadamente dos professores portugueses, só se verificará se, e quando o Governo português o entender"."Se alguém quiser abandonar Timor-Leste poderá fazê-lo pelos seus próprios meios, através, nomeadamente, dos voos regulares australianos", adiantou Carneiro Jacinto.O porta-voz do MNE disse ainda que as aulas em Timor-Leste "estão suspensas temporariamente por razões de segurança", desde que começaram os confrontos.Portugal mantém cerca de 150 portugueses em Timor-Leste, no quadro da cooperação bilateral para a formação de professores e no âmbito do projecto de reintrodução da língua portuguesa, e do projecto de cooperação da Fundação das Universidades Portuguesas com a Universidade Nacional Timor LoroSa'e.Em relação ao projecto de reintrodução da língua portuguesa, em que os professores estavam a formar docentes timorenses, os exames estavam marcados para Julho.EL/AG.
Lisboa, 28 Mai (Lusa) - O Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) negou hoje ter ordenado o regresso a Portugal dos professores portugueses colocados em Timor-Leste, ao abrigo da cooperação bilateral."Não há qualquer decisão conjunta do MNE e do Ministério da Educação sobre o regresso dos professores portugueses que se encontram em Timor-Leste", assegurou o porta-voz do ministro, António Carneiro Jacinto, em declarações à Lusa.Vários docentes colocados em Timor-Leste revelaram hoje à Agência Lusa, em Díli, que havia uma decisão conjunta dos dois ministérios naquele sentido e que lhes foi transmitido hoje que deveriam regressar terça ou quarta-feira a Lisboa, devido à impossibilidade de se concluir formalmente o ano lectivo em curso.Esta informação foi também transmitida hoje a professores que se encontram colocados fora de Díli, nomeadamente na zona leste do país, que receberam a indicação de que deviam regressar à capital timorense já na segunda-feira para embarcarem terça ou quarta-feira para Darwin (Austrália), de onde seguiriam depois para Portugal.Contudo, o porta-voz do MNE garantiu que "a evacuação, designadamente dos professores portugueses, só se verificará se, e quando o Governo português o entender"."Se alguém quiser abandonar Timor-Leste poderá fazê-lo pelos seus próprios meios, através, nomeadamente, dos voos regulares australianos", adiantou Carneiro Jacinto.O porta-voz do MNE disse ainda que as aulas em Timor-Leste "estão suspensas temporariamente por razões de segurança", desde que começaram os confrontos.Portugal mantém cerca de 150 portugueses em Timor-Leste, no quadro da cooperação bilateral para a formação de professores e no âmbito do projecto de reintrodução da língua portuguesa, e do projecto de cooperação da Fundação das Universidades Portuguesas com a Universidade Nacional Timor LoroSa'e.Em relação ao projecto de reintrodução da língua portuguesa, em que os professores estavam a formar docentes timorenses, os exames estavam marcados para Julho.EL/AG.
FUGA
Em 1975 os portugueses fugiram e abandonaram os timorenses a sua sorte...
Em 1999 a Unamet fugiu e abandonou os timorenses a sua sorte...
Em 2006 os portugueses vao fugir na proxima terca-feira...
Eu fico.
Em 1999 a Unamet fugiu e abandonou os timorenses a sua sorte...
Em 2006 os portugueses vao fugir na proxima terca-feira...
Eu fico.
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domingo, maio 28, 2006
Tivemos a bocado uma reuniao no Bairro da Cooperacao. Da reuniao destacam-se duas coisas:
1 - ha quem fique especialmente antipatico em situacoes de tensao (e nao devia...)
2 - Os portugueses presentes sao quase unanimes (a julgar pelas conversas pelo jardim apos a reuniao) em nao querer abandonar os timorenses com quem trabalham, a quem dao aulas... O pessoal esta confiante em que as coisas melhorem em breve, para que haja um futuro para Timor e para os timorenses.
Os alunos com quem vou contactando telefonicamente repetem a mesma pergunta: quando chegam os GNRs? Os timorenses ja viveram situacoes de instabilidade, com bandidos impunes a solta pelas ruas, em que a actuacao dos agentes anti-motim da GNR foi decisiva para parar a actuacao dos gatunos e arruaceiros e para restaurar a confianca perdida das pessoas. Repetem-se os relatos de situacoes em que tropas australianas assistiram a accao de incendiarios e saqueadores de lojas ou casas sem os deterem. As pessoas perguntam-nos: quando chegam os GNR? So podemos responder-lhes que "em breve".
Tambem nos perguntam se os portugueses vao embora com a ansiedade de quem pensa que quando isso acontecer tal sera o sinal de que vai tudo rebentar definitavente no pais e nas suas vidas. Temos-lhes dito que os portugueses nao vao embora, que estamos so a espera que as coisas fiquem um pouco mais calmas para retomarmos as aulas, tenho esperanca de poder continuar a dizer o mesmo. Espero que nao haja evacuacao dos cidadaos portugueses, como gostariam os australianos se calhar, a nossa presenca faz uma diferenca para os timorenses.
1 - ha quem fique especialmente antipatico em situacoes de tensao (e nao devia...)
2 - Os portugueses presentes sao quase unanimes (a julgar pelas conversas pelo jardim apos a reuniao) em nao querer abandonar os timorenses com quem trabalham, a quem dao aulas... O pessoal esta confiante em que as coisas melhorem em breve, para que haja um futuro para Timor e para os timorenses.
Os alunos com quem vou contactando telefonicamente repetem a mesma pergunta: quando chegam os GNRs? Os timorenses ja viveram situacoes de instabilidade, com bandidos impunes a solta pelas ruas, em que a actuacao dos agentes anti-motim da GNR foi decisiva para parar a actuacao dos gatunos e arruaceiros e para restaurar a confianca perdida das pessoas. Repetem-se os relatos de situacoes em que tropas australianas assistiram a accao de incendiarios e saqueadores de lojas ou casas sem os deterem. As pessoas perguntam-nos: quando chegam os GNR? So podemos responder-lhes que "em breve".
Tambem nos perguntam se os portugueses vao embora com a ansiedade de quem pensa que quando isso acontecer tal sera o sinal de que vai tudo rebentar definitavente no pais e nas suas vidas. Temos-lhes dito que os portugueses nao vao embora, que estamos so a espera que as coisas fiquem um pouco mais calmas para retomarmos as aulas, tenho esperanca de poder continuar a dizer o mesmo. Espero que nao haja evacuacao dos cidadaos portugueses, como gostariam os australianos se calhar, a nossa presenca faz uma diferenca para os timorenses.
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Se deixássemos de conseguir rir deixaríamos de ser humanos
Uma vez li um livro sobre o campo de Extermínio de Treblinka, escrito por um judeu. O campo de Treblinka era um campo construído pelos nazis na II Guerra Mundial, que funcionava como fábrica cujo objectivo era exterminar judeus. Faziam-no metodicamente, friamente, com eficiência (na II Guerra Mundial os nazis mataram cerca de seis milhões de judeus). No campo funcionava uma brigada de prisioneiros judeus cuja tarefa era transportar diariamente pilhas de cadáveres das câmaras de gás para os fornos crematórios, esses prisioneiros viviam em condições sub-humanas e sabiam que só estariam vivos enquanto tivessem forças para desempenhar a sua tarefa macabra. Fiquei impressionado por ler que nessas condições de vida terríveis eles contavam anedotas e brincavam sobre coisas como o peso dos cadáveres que transportavam. Depois compreendi, eles riam para continuarem humanos. Despojados de quase tudo, restavam-lhes como últimos resquícios de humanidade a esperança e o riso.
Vem isto a propósito de um incidente que me aconteceu hoje. Fui beber um café no Hotel Timor, ao lado do Bairro da Cooperação, e quando cheguei estava prestes a começar uma conferência de imprensa do Primeiro Ministro. Aproximei-me de uma amiga que comentou que o início da conferência de imprensa estava com algum atraso e eu respondi casualmente algo do género “O Primeiro Ministro ainda se deve estar a pôr bonito”. Foi um comentário completamente inocente, sem quaiquer segundas intenções, sem qualquer tom malicioso, mas uma senhora timorense que estava ali ao lado – sem dúvida perturbada pela tensão dos últimos dias – respondeu com um ar muito indignado qualquer coisa como “Não lhe admito que fale assim do Primeiro Ministro do meu país, eu também não falo assim do Primeiro Ministro do deu país”. É sabido o cuidado que o Primeiro Ministro português José Sócrates tem com a imagem (pagando até a assessores que aconselham sobre isso), pelo que um comentário desse género até lhe serviria como uma luva. Acabei por conseguir explicar à senhora que não tinha qualquer intenção de desrespeitá-la, nem desrespeitar Timor, nem desrespeitar os líderes do país, e ela aceitou as minhas desculpas por tê-la ofendido sem intenção.
Mas desse incidente sem importância pode compreender-se algo da situação actual do país, de como toda a gente anda uma pilha de nervos, da intolerância que grassa no ar, e também de como qualquer pequena faiscazinha pode despoletar situações graves. Há bandos de jovens armados com catanas, fisgas e paus, que andam de um lado para o outro, uns a deambular em busca de casas para roubar ou pessoas nascidas numa área geográfica diferente a quem bater, outros a patrulhar os seus bairros para se protegerem dos assaltantes. Não é preciso muito para que haja situações de violência. Os bandidos da cidade aproveitam para roubar o que podem. As tropas australianas já se vêem pela cidade, usando também blindados e helicópteros, mas não se fazem ainda patrulhas suficientes para sossegar completamente a população. Aguarda-se com ansiedade a chegada dos GNR, mais vocacionados para dispensar e deter bandos de malfeitores e ladrões como os que actuam pela cidade neste momento. Muita da população está refugiada em sítios como o aeroporto, recintos junto de Embaixadas, o porto, lugares da Igreja...Eu vou-me casar dentro de dias com uma moça timorense, aguardo o evoluir da situação para saber se vou fazer uma festa que dure toda a noite como é tradição em Timor ou se vou casar semi-clandestinamente com disparos como música de fundo. Já aluguei uma casa para morar com a minha mulher depois do casamento, e já me mudei para lá e levei para lá quase todos os meus pertences há umas duas semanas, mas nas últimas duas noites voltei a vir dormir ao meu quarto no Bairro da Cooperação por causa da insegurança em Díli. Agora a rotina diária inclui comprar cartões de telemóvel para telefonar a perguntar se ainda não me queimaram a casa, e para saber se os muitos amigos espalhados pela cidade, nas suas casas ou refugiados em diversos sítios (protegidos pelos australianos ou pertencentes à Igreja), estão todos bem.
Na quinta-feira antes de rebentar o tiroteio entre as FDTL e a PNTL no centro da cidade, estive na Faculdade às oito da manhã porque tinha uma aula combinada com os meus alunos. Estava lá uma dúzia deles, moços e moças. Não dei matéria, estivemos a conversar sobre a situação. Alguns tinham dormido na montanha devido aos ataques aos seus bairros e tinham vindo de longe, a pé, para as aulas, porque ter aulas ajudava a ter uma sensação de normalidade, de que ainda não estava tudo perdido. Conversámos amenamente em tétum, alguns contavam anedotas sobre as aventuras e desventuras que lhes tinham acontecido a fugir das milícias em 1999, outros gozavam com o seu próprio medo em situações perigosas que lhes tinham acontecido nos últimos dias. Mostravam um sentido de humor saudável, ao contrário da senhora do hotel. Ríamos e havia nisso um efeito de catarse, e tínhamos esperança.
Hoje de manhã, às 8 horas, tinha um exame marcado com eles. A Faculdade é aqui perto, fui lá para pôr um papel afixado na porta a dizer que o exame fica adiado para quando a situação estiver mais calma, escrevi no papel que talvez na próxima semana. Temia que houvesse alunos a aparecer para o exame e não me sentia bem por lhes gorar as expectativas sem sequer uma palavra. Havia de facto um estudante à minha espera. Enquanto conversávamos apareceu um grupo de uns vinte rapazes, todos com catanas (um trazia duas!), fisgas e paus, falando macassai entre si, alguns não teriam mais de 15 ou 16 anos. Tinham o ar de procurar casas para roubar ou incendiar, ou gente a quem bater. Não nos incomodaram, mas o moço ficou assustado. Ele é de uma região do ocidente. Acabou por me pedir que o levasse a casa, em Bebono, na minha motorizada. Fi-lo, era por causa do meu exame que ele ali estava, tinha-se arriscado corajosamente para vir fazer a prova, se lhe acontecesse alguma coisa no regresso eu ficaria com isso na consciência. No percurso pela marginal vi mesmo à minha frente dois rufias com facas a derrubarem um indivíduo de uma motorizada e a roubá-la.
Tenho ficado aqui pelo Bairro da Cooperação e Hotel Timor depois disso, se cada um de nós decidisse andar a passear por aí pela cidade isso daria um monte de trabalho extra aos senhores que andam a zelar pela nossa segurança, que têm coisas mais importantes para fazer do que servir de babysitters a “Indiana Jones de fim-de-semana” como nós. E isto leva-me de volta ao tema do humor. Todos nós fazemos figuras ridículas de vez em quando, nos últimos dias talvez com maior frequência do que o habitual. Não ter informação credível que nos permita compreender correctamente quem são “os maus” e quem são “os bons”, ou o porquê de haver timorenses activamente empenhados em destruir o país e a liberdade que foi conquistada com tanto sofrimento, leva-nos a procurar avidamente cada nova informaçãozinha e por vezes a ser inadvertidamente porta-vozes dos boatos mais mirabolantes, ou de uma das quinhentas teorias da conspiração que tentam encontrar algum sentido em tudo isto.
Independentemente de todas estas considerações parece-me que há duas coisas em que este país deveria investir: educação para a tolerância e sentido de humor. E ambas estão ligadas. Não é que não exista sentido de humor, os meus alunos que gozavam com o seu próprio medo têm-no bem apurado, mas faz falta aqui um programa televisivo como o “Contra Informação” da televisão portuguesa, no qual se usam bonecos que são caricaturas dos líderes de Portugal e onde estes são gozados pelas suas atitudes, decisões e tiques. Um líder político democrático, de qualquer país, tem muito a ganhar se o seu povo compreender que um dirigente político não tem natureza divina e portanto “pode invocar-se o nome dele em vão”. Este é um dos tijolos base da democracia. Isto promove a tolerância também. E Timor-Leste é ainda um país muito intolerante. Vivo aqui há cinco anos, e há cinco anos que ouço diariamente nos táxis, nas ruas, nas lojas, timorenses que criticam o facto de um país católico ter um Primeiro Ministro muçulmano. Aproveito sempre para dar um sermão sobre a tolerância (os meus alunos já ouviram esse sermão milhentas vezes), religiosa e não-religiosa, digo-lhes que os cidadãos devem esforçar-se por avaliar o desempenho dos seus líderes políticos pelas decisões que estes tomam, pelas políticas que seguem, e nunca pela religião que têm ou não têm. Muitos timorenses ficavam espantadíssimos por me ouvirem dizer que Presidentes da República portugueses como Mário Soares e Jorge Sampaio não eram católicos.
Mas os meus alunos sabem rir de si mesmos e isso deixa-me feliz. Amo esta terra e caminho de olhos postos no futuro, procurando também saber rir de mim mesmo, e rir da vida, que às vezes “é madrasta”. E mantenho a esperança.
Díli, 27 de Maio de 2006, 20.00h
Vem isto a propósito de um incidente que me aconteceu hoje. Fui beber um café no Hotel Timor, ao lado do Bairro da Cooperação, e quando cheguei estava prestes a começar uma conferência de imprensa do Primeiro Ministro. Aproximei-me de uma amiga que comentou que o início da conferência de imprensa estava com algum atraso e eu respondi casualmente algo do género “O Primeiro Ministro ainda se deve estar a pôr bonito”. Foi um comentário completamente inocente, sem quaiquer segundas intenções, sem qualquer tom malicioso, mas uma senhora timorense que estava ali ao lado – sem dúvida perturbada pela tensão dos últimos dias – respondeu com um ar muito indignado qualquer coisa como “Não lhe admito que fale assim do Primeiro Ministro do meu país, eu também não falo assim do Primeiro Ministro do deu país”. É sabido o cuidado que o Primeiro Ministro português José Sócrates tem com a imagem (pagando até a assessores que aconselham sobre isso), pelo que um comentário desse género até lhe serviria como uma luva. Acabei por conseguir explicar à senhora que não tinha qualquer intenção de desrespeitá-la, nem desrespeitar Timor, nem desrespeitar os líderes do país, e ela aceitou as minhas desculpas por tê-la ofendido sem intenção.
Mas desse incidente sem importância pode compreender-se algo da situação actual do país, de como toda a gente anda uma pilha de nervos, da intolerância que grassa no ar, e também de como qualquer pequena faiscazinha pode despoletar situações graves. Há bandos de jovens armados com catanas, fisgas e paus, que andam de um lado para o outro, uns a deambular em busca de casas para roubar ou pessoas nascidas numa área geográfica diferente a quem bater, outros a patrulhar os seus bairros para se protegerem dos assaltantes. Não é preciso muito para que haja situações de violência. Os bandidos da cidade aproveitam para roubar o que podem. As tropas australianas já se vêem pela cidade, usando também blindados e helicópteros, mas não se fazem ainda patrulhas suficientes para sossegar completamente a população. Aguarda-se com ansiedade a chegada dos GNR, mais vocacionados para dispensar e deter bandos de malfeitores e ladrões como os que actuam pela cidade neste momento. Muita da população está refugiada em sítios como o aeroporto, recintos junto de Embaixadas, o porto, lugares da Igreja...Eu vou-me casar dentro de dias com uma moça timorense, aguardo o evoluir da situação para saber se vou fazer uma festa que dure toda a noite como é tradição em Timor ou se vou casar semi-clandestinamente com disparos como música de fundo. Já aluguei uma casa para morar com a minha mulher depois do casamento, e já me mudei para lá e levei para lá quase todos os meus pertences há umas duas semanas, mas nas últimas duas noites voltei a vir dormir ao meu quarto no Bairro da Cooperação por causa da insegurança em Díli. Agora a rotina diária inclui comprar cartões de telemóvel para telefonar a perguntar se ainda não me queimaram a casa, e para saber se os muitos amigos espalhados pela cidade, nas suas casas ou refugiados em diversos sítios (protegidos pelos australianos ou pertencentes à Igreja), estão todos bem.
Na quinta-feira antes de rebentar o tiroteio entre as FDTL e a PNTL no centro da cidade, estive na Faculdade às oito da manhã porque tinha uma aula combinada com os meus alunos. Estava lá uma dúzia deles, moços e moças. Não dei matéria, estivemos a conversar sobre a situação. Alguns tinham dormido na montanha devido aos ataques aos seus bairros e tinham vindo de longe, a pé, para as aulas, porque ter aulas ajudava a ter uma sensação de normalidade, de que ainda não estava tudo perdido. Conversámos amenamente em tétum, alguns contavam anedotas sobre as aventuras e desventuras que lhes tinham acontecido a fugir das milícias em 1999, outros gozavam com o seu próprio medo em situações perigosas que lhes tinham acontecido nos últimos dias. Mostravam um sentido de humor saudável, ao contrário da senhora do hotel. Ríamos e havia nisso um efeito de catarse, e tínhamos esperança.
Hoje de manhã, às 8 horas, tinha um exame marcado com eles. A Faculdade é aqui perto, fui lá para pôr um papel afixado na porta a dizer que o exame fica adiado para quando a situação estiver mais calma, escrevi no papel que talvez na próxima semana. Temia que houvesse alunos a aparecer para o exame e não me sentia bem por lhes gorar as expectativas sem sequer uma palavra. Havia de facto um estudante à minha espera. Enquanto conversávamos apareceu um grupo de uns vinte rapazes, todos com catanas (um trazia duas!), fisgas e paus, falando macassai entre si, alguns não teriam mais de 15 ou 16 anos. Tinham o ar de procurar casas para roubar ou incendiar, ou gente a quem bater. Não nos incomodaram, mas o moço ficou assustado. Ele é de uma região do ocidente. Acabou por me pedir que o levasse a casa, em Bebono, na minha motorizada. Fi-lo, era por causa do meu exame que ele ali estava, tinha-se arriscado corajosamente para vir fazer a prova, se lhe acontecesse alguma coisa no regresso eu ficaria com isso na consciência. No percurso pela marginal vi mesmo à minha frente dois rufias com facas a derrubarem um indivíduo de uma motorizada e a roubá-la.
Tenho ficado aqui pelo Bairro da Cooperação e Hotel Timor depois disso, se cada um de nós decidisse andar a passear por aí pela cidade isso daria um monte de trabalho extra aos senhores que andam a zelar pela nossa segurança, que têm coisas mais importantes para fazer do que servir de babysitters a “Indiana Jones de fim-de-semana” como nós. E isto leva-me de volta ao tema do humor. Todos nós fazemos figuras ridículas de vez em quando, nos últimos dias talvez com maior frequência do que o habitual. Não ter informação credível que nos permita compreender correctamente quem são “os maus” e quem são “os bons”, ou o porquê de haver timorenses activamente empenhados em destruir o país e a liberdade que foi conquistada com tanto sofrimento, leva-nos a procurar avidamente cada nova informaçãozinha e por vezes a ser inadvertidamente porta-vozes dos boatos mais mirabolantes, ou de uma das quinhentas teorias da conspiração que tentam encontrar algum sentido em tudo isto.
Independentemente de todas estas considerações parece-me que há duas coisas em que este país deveria investir: educação para a tolerância e sentido de humor. E ambas estão ligadas. Não é que não exista sentido de humor, os meus alunos que gozavam com o seu próprio medo têm-no bem apurado, mas faz falta aqui um programa televisivo como o “Contra Informação” da televisão portuguesa, no qual se usam bonecos que são caricaturas dos líderes de Portugal e onde estes são gozados pelas suas atitudes, decisões e tiques. Um líder político democrático, de qualquer país, tem muito a ganhar se o seu povo compreender que um dirigente político não tem natureza divina e portanto “pode invocar-se o nome dele em vão”. Este é um dos tijolos base da democracia. Isto promove a tolerância também. E Timor-Leste é ainda um país muito intolerante. Vivo aqui há cinco anos, e há cinco anos que ouço diariamente nos táxis, nas ruas, nas lojas, timorenses que criticam o facto de um país católico ter um Primeiro Ministro muçulmano. Aproveito sempre para dar um sermão sobre a tolerância (os meus alunos já ouviram esse sermão milhentas vezes), religiosa e não-religiosa, digo-lhes que os cidadãos devem esforçar-se por avaliar o desempenho dos seus líderes políticos pelas decisões que estes tomam, pelas políticas que seguem, e nunca pela religião que têm ou não têm. Muitos timorenses ficavam espantadíssimos por me ouvirem dizer que Presidentes da República portugueses como Mário Soares e Jorge Sampaio não eram católicos.
Mas os meus alunos sabem rir de si mesmos e isso deixa-me feliz. Amo esta terra e caminho de olhos postos no futuro, procurando também saber rir de mim mesmo, e rir da vida, que às vezes “é madrasta”. E mantenho a esperança.
Díli, 27 de Maio de 2006, 20.00h
sexta-feira, maio 26, 2006
quarta-feira, maio 24, 2006
A primeira vez
Acabo de dar um teste à meia-dúzia de alunos que apareceram, enquanto numa colina ali próxima o ruído do tiroteio em rajadas soava como milho quando se fazem falocas.
Há sempre uma primeira vez para tudo…
Ha’u foin fó teste ida ba alunu balu de’it ne’ebé mosu, enkuantu iha laletek ida ne’ebé besik tiru-rajada tarutu hanesan batar sona.
Sempre iha dala uluk ba buat hotu-hotu…
Há sempre uma primeira vez para tudo…
Ha’u foin fó teste ida ba alunu balu de’it ne’ebé mosu, enkuantu iha laletek ida ne’ebé besik tiru-rajada tarutu hanesan batar sona.
Sempre iha dala uluk ba buat hotu-hotu…
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terça-feira, maio 09, 2006
sábado, fevereiro 25, 2006
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