quinta-feira, maio 07, 2015

Um comentário sobre a variedade timorense da língua portuguesa

Acabo de ler um texto que falava sobre as possibilidades de desenvolvimento de uma norma própria para a variedade timorense da língua de Luís Cardoso, Jorge Amado e Saramago. Acho que, mesmo nos PALOP, a afirmação de uma norma própria não é tão pacífica como às vezes se pensa... Parece-me que Moçambique é onde foram dados mais passos nessa direção. Há recetividade em relação à incorporação de itens lexicais específicos de cada um dos países, mas muito mais reticências em relação a outros aspetos. Aqui alguns dos traços da variedade timorense do português que eu observava quando cheguei, em 2001, mantém-se. Por exemplo, construções do tipo "Escreve ainda" (transferência do "Hakerek lai") são quase omnipresentes nas várias gerações de falantes, incluindo as crianças, e parece-me que estão cá para ficar. Uma frase como "Deixa ele comer ainda" já me parece menos estável, porque pode ser simplesmente uma realização própria de interlíngua substituída por "Deixa-o comer ainda" quando o falante tiver um domínio melhor da língua. No léxico, palavras como "liurai" estão perfeitamente incorporadas na variedade local do português, mas vejo que há vocábulos do português como "néli" que foram usados - em português - por muitas gerações de timorenses, e que parecem de utilização menos comum pela mocidade; creio que a razão é que os inputs são diversos, e muitos deles vêm de falantes de outras variedades do português (não a variedade timorense). Os bordões linguísticos são uma área particularmente gira. Se prestarem atenção às cachopas e garotos timorenses a falar português vão ouvir coisas como "Foi ele !" ou "É este !"

Como dizia o Bruce Lee: "“Absorb what is useful, discard what is not". A propósito do português língua do ensino em Timor...

Num congresso em Díli, há alguns anos, em que se falou sobre o uso das línguas maternas como línguas do ensino (=línguas de instrução), um dos oradores convidados foi um maori que falou sobre o sucesso das Kōhanga Reo. Parece-me um modelo que Timor poderia analisar para ver o que pode ser útil para cá: 
  - os maoris perceberam que menos de 20% dos maoris falavam bem maori, 
 - a sua liderança definiu um projeto político em que falar bem maori era um objetivo político e identitário claro, 
  - criaram uma rede de pré-escolas em que crianças cuja língua materna era o inglês (filhos de pais que falavam inglês e não maori em casa) aprendiam maori e em maori. 

Por cá os líderes políticos timorenses eleitos pelo povo é que têm de decidir se a língua portuguesa faz realmente parte do seu projeto político e identitário ou não...



Interação da língua portuguesa, do tétum e da fé criou nação timorense - Ex-PM Alkatiri

07 de Maio de 2015, 10:10
A tripla interação entre a língua portuguesa, o tétum praça e a fé católica e animista levou ao nascimento da "grande casa sagrada" que é a nação timorense, afirmou ontem o ex-primeiro-ministro timorense Mari Alkatiri.
Foto: Pedro Sá de Bandeira/EPA
"Para se compreender a importância da língua portuguesa, tem que se entender a mesma na sua interação com o tétum praça. E a interação entre as duas línguas e a fé dos timorenses e entre o monoteísmo católico e a prática animista", afirmou ontem em Díli.

Trata-se, disse, de elementos que servem como "oxigénio" para a reafirmação da identidade timorense, "em todo o seu mosaico" socio cultural pelo que questionar qualquer desses elementos coloca em risco essa identidade.

Mari Alkatiri falava num colóquio em Díli subordinado ao tema "Uma língua - Várias identidades", inserido nos eventos da Semana da Língua Portuguesa do Parlamento Nacional.

Em resposta a perguntas da plateia, Mari Alkatiri criticou o que disse ser a má política adotada nos últimos anos no ensino da língua, com comunicações no setor público em inglês ou indonésio.

Como exemplo do que diz serem erros políticos sobre esta matéria, recorda que quando a troika chegou a Portugal foi convidado pelos então chefe de Estado, José Ramos-Horta e primeiro-ministro, Xanana Gusmão, para os acompanhar a Portugal "comprar dívida pública portuguesa".

"Tínhamos 6 mil milhões de dólares no fundo petrolífero e queriam comprar dívida pública. Isso nem dá para fazer cantar um cego. Eu disse que preferia ir lá, mas era para contratar professores portugueses", afirmou.

Alkaiti insistiu que esta política é essencial para defender a soberania timorense no contexto regional e sub-regional, e para defender o tétum que só se reforçará com o português e que, se se tentar desenvolver com o inglês ou indonésio "simplesmente desaparece".

"A política nacional tem que ser muito clara. Se não o for seremos mais um país no lago australiano ou um meio Estado na extensão da Indonésia. Essa é a realidade", afirmou.

"Fomos tão determinados a fazer a luta pela independência e estamos a perder a determinação de defender esta independência, os elementos que garantem a defesa desta independência", disse, criticando os que defendem o uso das línguas maternas que contribuem para "balcanizar" o país.

Numa intervenção em que recordou o papel da língua portuguesa em Timor-Leste, "da colonização à libertação", Alkatiri disse que o português começou como uma "língua política e sociocultural de dominação", algo que se foi diluindo ao longo dos séculos.

Um processo que ocorreu sem que o português tenha, em qualquer momento, deixado de ter interação com a sociedade timorense que o procurava sempre como aliado", especialmente nas duas ocupações, a japonesa e a indonésia.

"Os timorenses intuitivamente ou empiricamente sabiam que a melhor forma de afirmar a sua diferença era manter esse vínculo à identidade lusófona", algo que os ajudava a defender-se das presenças invasoras "mais perigosas e dominadores".

@Lusa