sábado, abril 13, 2013

A nova literatura de Timor-Leste começa a desabrochar



Durante muitos anos a literatura (não a oratura) de Timor-Leste era essencialmente em português. Desde há alguns anos têm começado a aparecer novas obras e autores que se exprimem em tétum. Quando eu era uma criança, uma professora de português que tive – provavelmente satisfeita pelo facto de já então eu ser um leitor voraz – escreveu num caderno meu a frase “Um país faz-se com homens e com livros.”, de Monteiro Lobato (mas que eu durante anos pensei que fosse de Mário Sacramento, um democrata ilhavense durante a longa noite do fascismo em Portugal). Foi uma frase que me impressionou muito, e que considero ainda hoje um dos meus motes. Timor-Leste é para mim a minha terra adoptiva e creio que ninguém pode negar que o século XX viu nascer neste país homens e mulheres de uma grandeza excepcional, mas em grande medida ainda faltam os livros. Há alguns, com destaque para as obras do Takas (Luís Cardoso), mas sendo escritos em português, que é uma das línguas dos timorenses mas que muitos ainda não dominam, têm uma penetração reduzida na sociedade. O aparecimento recente de uma literatura tetumófona permite-nos ter esperança de que as coisas mudem e que apareça em breve uma geração que lê. E ler em tétum não é nunca um obstáculo a que se venha a ler em português. Ler em tétum na infância pode despertar nos miúdos o bichinho dos livros, e quem fica assim cativado nunca mais vai deixar de querer ler, e quando acabarem de ler os livros em tétum (qualquer leitor pode ler num espaço de tempo relativamente curto TODOS os livros em tétum que existem, infelizmente), e continuarem com ânsia de conhecimento e de emoções, vão ler noutras línguas, começando evidentemente pela portuguesa.
Irei começar a falar aqui de livros com mais frequência, de livros de Timor, livros sobre Timor, e de livros em tétum – originais ou em tradução. Hoje vou começar com uma pequena novela publicada pela ONG Timor Aid em Novembro de 2012 intitulada “Inan ne’ebé iha bosok ualu” [A mãe que disse oito mentiras] do escritor timorense de 17 anos de idade Ariel Mota Alves. A obra obteve um terceiro lugar no concurso literário em tétum organizado anualmente pela Timor Aid e pela Fundação Alola, de que também já cheguei a ser membro do júri. Trata-se de um livrinho com uma história mais ou menos linear, de pendor moralista, mas bastante eficaz na transmissão da sua mensagem. As personagens principais são Bisoi e o seu filho Atoi, e a história gira em torno dos desafios que enfrentam ao longo das respectivas vidas. Mãe e filho são extremamente pobres, mas o sacrifício abnegado da mãe vai criando oportunidades onde elas não existiam para dar uma vida melhor ao seu menino. Este por seu lado vai aceitando e beneficiando com isso, e acrescentando o seu esforço ao da sua progenitora, mas terá que enfrentar também os seus próprios dilemas.
Um livro que, não obstante o enredo pueril, devia ser amplamente lido pelas crianças e jovens timorenses, como uma chamada de atenção para os fazer pensar no que os seus pais muitas vezes fazem por eles, e também como uma homenagem às mulheres deste país. Conheci muitas timorenses com a fibra desta Bisoi ao longo de mais de uma década em Timor. A literatura não tem que tentar mudar o mundo, mas pode tentar mudar o mundo. Esta obra, de um escritor tão jovem, tenta fazer o seu quinhão.


domingo, maio 27, 2012

Uma “cantiga tradicional timorense” vinda da Nova Zelândia


Nestes tempos de invenções de tradições (até já vemos grupos musicais de Kore Metan – um género musical mestiço e urbano, luso-timorense – a actuar vestidos com tais e com belaks pendurados ao pescoço...[1]), é sempre bom recordar que as coisas nem sempre são como se diz...
A tal “cantiga tradicional timorense” a que me refiro no título é uma das minhas canções em tétum preferidas, e chama-se “Ha’u hakerek surat ida”. Foi-me dito há bastante tempo, por timorenses que sabem destas coisas, que a melodia é neozelandesa, e que a letra em tétum seria da autoria do já falecido Sr. Momô dos Mártires. Nunca calhou eu ter tido a oportunidade de verificar isto, mas hei-de tentar confirmar.




P.S. - [1] Para os portugueses que não entendem, isto é mais ou menos o equivalente a pôr o Alfredo Marceneiro a cantar o fado vestido de pauliteiro de Miranda...

segunda-feira, outubro 24, 2011

Em que século queremos que esteja a mentalidade dos nossos filhos?

Têm estado na moda nos últimos anos uns programas de televisão em que gente do ocidente vai morar com os nativos de um lugar exótico qualquer, ainda pouco afectado pela civilização moderna, e aí se submete à vida quotidiana da tribo, comendo raras iguarias e mixórdias intragáveis, participando em competições de sistemas de combate tradicionais, fazendo trabalho manual no duro, indo buscar água suja para beber a um buraco distante qualquer cheio de micróbios… Programas como Tribal Wives, Last Man Standing, Last Woman Standing, e Tribe.



Comprei a série completa deste último em DVDs e temos assistido aos episódios em casa. A minha mulher acha muita graça às coisas em que o simpático apresentador britânico Bruce Parry se mete, e o tipo tem de facto talento para aquilo, quer pelo esforço que faz para imitar a vida dos anfitriões, quer pelo sentido de humor que mostra quando acaba por ser o bobo da festa pela sua evidente falta de jeito… Mas há dias estávamos a conversar sobre um aspecto que perturba um bocado: é que cá em Timor, apesar dos engarrafamentos de trânsito em Díli e de todo o esforço para desenvolver o país, quando a questão são os cuidados de saúde e a forma de lidar com doenças, as crenças e as atitudes da maior parte das pessoas não diferem muito das daquelas tribos nos cus de Judas da África ou da Amazónia. Muitos timorenses, mesmo citadinos com cursos superiores, rejeitam quase totalmente a medicina moderna, vacinas, ou hospitais, e recorrem antes a curandeiros tradicionais e feiticeiros. A minha mulher teve recentemente um acidente de motorizada e a radiografia revelou uma fissura num osso do pé, pelo que os médicos lhe colocaram gesso para imobilizar a área. Pois a maior parte dos seus conhecidos revela a maior surpresa por ela ter posto o gesso e passam o tempo a tentar convencê-la a ir a endireitas e milagreiros vários que, segundo dizem, resolveriam o problema em dois ou três dias. Até lhe falaram num que, quando lhe aparece um paciente com uma fractura num osso, começa por partir tudo o que resta do mesmo osso, para depois fazer um milagre qualquer e “curar” o pobre desgraçado…
Como será a educação das crianças em escolas onde os próprios professores acreditam piamente nestas coisas?

sábado, janeiro 01, 2011

Milagrário Pessoal

Esta noite li o "Milagrário Pessoal" de José Eduardo Agualusa. Foi durante as primeiras horas do ano, a família já adormecida, tendo como banda sonora a respiração tranquila da minha mulher e dos meus filhos, um presente a mim mesmo em tempos de muitos afazeres em que a leitura de um livro de uma ponta à outra sem parar - prazer antigo da adolescência - se tornou um luxo para ocasiões especiais.
Há livros que leio como se voltasse a casa vindo da escola na minha bicicleta à chuva num dia de Inverno ilhavense e encontrasse a família reunida, o lume aceso no borralho, e uma malga de sopas de broa em café de trote coado e bem quentinho à minha espera. Há livros que falam de coisas de que gostamos e de que apetece dizer "é cá dos nossos". Há livros em que podíamos morar, este para mim é um deles.


segunda-feira, agosto 09, 2010

Que horror!!? Uma estátua de uma mulher nua?

A imprensa local deu a notícia de que uma deputada timorense anunciou que está muito preocupada com o trabalho da comissão organizadora da participação nacional na Exposição Mundial de Xangai. Isto - conta um jornal - por o pavilhão timorense ter exibido uma estátua de uma mulher timorense nua, o que a deputada considera como algo que estraga a dignidade das mulheres timorenses internacionalmente.
Curioso, fiz uma busca nas imagens do Google, pelas palavras: Shanghai World Expo Timor Leste. A única imagem que encontrei com mulheres (e homens) timorenses em pelote foi esta:
Muitas casas tradicionais timorenses continuam a ter portas esculpidas com homens e mulheres nus. O que também acontece em estátuas sagradas na religião tradicional.
Fiz depois uma busca no Flickr, e encontrei esta fotografia:
東帝汶館 Timor-Leste Pavilion

Talvez a tal estátua polémica seja outra, mas porque é que a nudez faria as pessoas indignas? Seriam desprovidas de dignidade as mulheres timorenses que usavam os seios nus de acordo com a tradição, até há algumas décadas?

sábado, agosto 07, 2010

Livros à vontade do freguês


A primeira vez que entrei no Blurb foi para comprar um livro do Celso Oliveira. Gostei do conceito. Há várias empresas semelhantes na Internet, mas a Blurb é das que fornece um serviço mais simples, prático e barato. Eles disponibilizam software, a pessoa prepara o livro que quer, como quer, no seu próprio computador, e depois carrega o produto final no sítio deles. O livro ficará disponível para quem o quiser comprar, e cada vez que há uma encomenda eles imprimem um exemplar (ou mais, dependendo do que o comprador quer). Cada cópia sai mais cara do que o preço por unidade de um livro impresso numa gráfica, mas é muito útil para quem pretende publicar por exemplo uma monografia sobre marcadores incoativos no macu’a ou macuva (lovaia epulo), ou uma tradução d”Os Maias” para esta língua timorense. Como o número de falantes que resta não chega a meia dúzia, será muito mais adequado imprimir algumas cópias no Blurb do que procurar uma editora que publique uma edição com grande tiragem. A Blurb exige apenas que seja comprada pelo menos uma cópia de cada livro publicado através deles. A pessoa que publica o livro pode escolher deixar o livro à venda pelo preço cobrado pela Blurb ou acrescentar uma margem de lucro para si. Eis a minha primeira experiência, para testar a qualidade do serviço, com dois textos que tinha publicado na Internet há algum tempo sobre o ensino de português em Timor:

quinta-feira, julho 22, 2010

A tradução d”O Principezinho” para tétum – andando devagarinho em direcção a uma fonte?

«Moi, (…), si j’avais cinquante-trois minutes à dépenser, je marcherais tout doucement vers une fontaine…» - diz-nos O Principezinho. Todos temos de vez em quando a sorte de fazer viagens em que a caminhada é tão interessante como o destino. Para mim, a tradução de “Le Petit Prince” para tétum foi uma dessas viagens. Tive a ideia de traduzir este livro logo à chegada a Timor, em 2001. Parecia-me uma tragédia mais na vida dos timorenses que não houvesse livros para ler nas suas línguas, e que melhor maneira de começar a resolver esse problema do que com a bela história de Saint-Exupéry? Comecei então a tradução com a Triana Corte-Real de Oliveira, uma jovem timorense que tinha interrompido os estudos de medicina na Indonésia devido aos acontecimentos de 1999. Entretanto falei com o Rui Correia, Presidente de uma ONGD de que eu era membro há anos, a SUL-Associação de Cooperação para o Desenvolvimento, sobre a possibilidade desta ONGD publicar a tradução em tétum. A reacção dele foi de entusiasmo imediato, “O Principezinho” também tinha tocado a sua vida, como a de tantos nós, e começou imediatamente a procurar apoios. Conseguiu resposta positiva de algumas câmaras municipais em Portugal e da Fundação Mário Soares. Entretanto eu lembrei-me da possibilidade de a SUL procurar estabelecer uma parceria para uma edição conjunta com a Timor Aid, uma ONG timorense que era pioneira na publicação de livros em tétum e que já tinha sua própria rede de distribuição, e, feitos os contactos, a Timor Aid concordou. O Rui Correia contactou a Gallimard, que detém os direitos de autor, e conseguiu obter a autorização para a publicação. O processo sofreu um contratempo com a partida para Yogyakarta, para continuar os estudos para médica, da minha co-tradutora. Os trabalhos ficaram parados durante um tempo, e foram depois retomados com uma nova colega de trabalho, a Emília Almeida de Araújo, que está actualmente a terminar um bacharelato em Informática na Universidade Nacional de Timor Lorosa’e. Foi com ela que consegui terminar a tradução. Durante o labor de tradutores, quer na primeira fase quer na segunda, usámos constantemente o texto original em francês, mas sempre comparando com as soluções de tradução de três versões diferentes publicadas por editoras portuguesas, e às vezes com uma tradução em inglês também. No entanto, mesmo após concluída a tradução, contratempos diversos levaram a que o processo tenha demorado ainda algum tempo a chegar ao seu termo. Devo agradecer também os esforços e perseverança durante anos da Rosália Madeira Soares da Timor Aid. Foi uma caminhada longa, mas valeu a pena. O Liurai-Oan Ki’ik chegou finalmente a Timor-Leste e agora anda por aí. Pode ser que um dia destes o seu caminho se cruze com o do amável leitor…

quarta-feira, junho 30, 2010

O Principezinho, agora em tétum

A minha sobrinha a ler "Liurai-Oan Ki'ik", a edição em tétum d"O Principezinho" recém publicada pela SUL e Timor Aid.

quinta-feira, maio 27, 2010

Praticar Jogo do Pau em Lisboa

Quem se interessa pela arte marcial portuguesa conhecida por Jogo do Pau pode encontrar aqui informação sobre os treinos - à borla - no Ateneu. Os treinos são dados pelo Mestre Monteiro, que é um grande Mestre, um bom pedagogo, e uma excelente pessoa. Fiz lá no Ateneu as minhas primeiras aulas, no tempo em que o saudoso Mestre Pedro Ferreira ainda aí treinava regularmente aos Domingos de manhã, apesar de ter então oitenta e tal anos. Tive o privilégio de ser orientado algumas vezes por ele nos meus esforços desajeitados de principiante. Antes de falecer ele entregou a direcção da escola ao Mestre Monteiro, que ensina um jogo do pau da melhor qualidade, e sem qualquer violência gratuita, permitindo aos alunos uma progressão gradual a partir das bases do sistema. Recomendo.

sexta-feira, maio 21, 2010

A língua das borboletas em tétum

Parece que já foi publicada a edição bilingue em tétum e português do conto do escritor galego Manuel Rivas "A língua das borboletas", com ilustrações de Miguelanxo Prado. A iniciativa foi da Asociación Luso-Galega de Antropoloxía Aplicada (ALGA).

Ainda não vi o livro cá em Timor, mas aguardo com expectativa a sua distribuição, porque este belíssimo conto faz parte das minhas recordações mais gratas como professor neste país. Durante anos usei a tradução portuguesa nas aulas que leccionava na Universidade Nacional de Timor Lorosa'e, e tive a oportunidade de ver como muitos alunos, cuja infância tinha decorrido durante a ocupação indonésia, se reviam nas angústias, medos e dilemas do pequeno Pardal.

Parabéns à ALGA e ao Ministério da Educação timorense, que pelos vistos vai usar o conto no sistema de ensino nacional.

sexta-feira, setembro 25, 2009

Comecei a ficar branco de repente...


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Originally uploaded by J.P. Esperança

Começou por uma sobrancelha. Deitei-me e estava normal, e quando acordei tinha metade da sobrancelha esquerda completamente branca. O médico diz que é vitiligo. Não dói nem é contagioso.

sábado, setembro 05, 2009

Pré-requisitos peculiares no acesso ao ensino superior em Timor

Estas folhas explicam os pré-requisitos exigidos aos candidatos ao Instituto de Ciências da Saúde, uma instituição pública de ensino superior em Timor-Leste.

Incluem:

(…)
10 - Uma declaração do pai/mãe atestando que o candidato não é casado, quer para candidatos masculinos quer femininos, visada pelo padre da paróquia/chefe muçulmano/protestante (para candidatos com a escola secundária);

11 - Uma declaração da candidata atestando que concorda em não engravidar enquanto frequenta o curso de Farmácia, Enfermagem, Parteira, ou Oftalmologia no ICS;

12 – Para candidatos masculinos, tanto com a escola secundária (ciências naturais), como com a escola técnica de enfermagem e staff, uma declaração atestando que não irá engravidar nenhuma mulher, qualquer que seja, enquanto frequenta o curso de Farmácia ou Enfermagem no ICS;

13 – Uma declaração atestando que aceita ser colocado/a para trabalhar em qualquer local de Timor-Leste, de acordo com a decisão que seja tomada pelo Ministério da Saúde;

17 – Uma declaração atestando que aceita devolver o dinheiro gasto [pelo Estado?] com os seus estudos se ao concluir o curso não aceitar ser colocado no local decidido pelas autoridades competentes ou se sair do curso sem terminar os anos previstos no currículo;

18 – Todos os documentos devem ser entregues dentro de uma pasta de cor vermelha para os rapazes e de cor amarela para as raparigas;

C – Regras a seguir aquando da entrega de candidaturas ou pedido de informação:

(…)
32 – Para rapazes, vestir de maneira asseada, e usar calças compridas e sapatos; para raparigas, vestir de maneira asseada, usar sapatos, e é proibido usar mini-saia;

33 – Proibido estar em posse de armas brancas quando se faz o registo no Instituto de Ciências da Saúde de Timor-Leste ou [na delegação] no enclave de Oecússi.



Um outro aspecto peculiar do sistema de ensino timorense é que qualquer moça que engravide enquanto frequenta a escola secundária, seja em escolas privadas seja no ensino público, é imediatamente expulsa da escola.

quinta-feira, julho 16, 2009

Após uma década de apoio à reintrodução da língua portuguesa em Timor

Isto são as fotografias das prateleiras de livros sobre línguas numa das principais livrarias da capital timorense. Temos:
- 1 Dicionário de inglês-indonésio
- 1 Dicionário de indonésio-inglês
- 1 Dicionário de sueco-indonésio
- 2 Dicionários distintos de alemão-indonésio,
- 1 Dicionário de indonésio-alemão
- 1 Dicionário de alemão-indonésio e indonésio-alemão
- 1 Dicionário de italiano-indonésio
- 1 Dicionário de tétum-indonésio e indonésio-tétum (publicado pela Gramedia – que é uma livraria/editora do tipo Fnac na Indonésia - de acordo com as normas oficiais em vigor para o tétum)
- 1 Dicionário de coreano-indonésio e indonésio-coreano
- 1 Dicionário de francês-indonésio e indonésio-francês
- 1 Dicionários de francês-indonésio,
- 1 Dicionário de indonésio-espanhol
- 1 Dicionário de espanhol-indonésio
- diversos dicionários indonésios de termos técnicos de biologia, química, física, medicina, economia, sociologia, política moderna, expressões idiomáticas, etc.

Não existem no mercado dicionários de indonésio-português, nem de português-indonésio, nem dicionários de português-tétum, nem dicionários de tétum(contemporâneo e oficial)-português. Após uma década de projectos de apoio à reintrodução da língua portuguesa em Timor, é impressão minha ou falta aqui alguma coisa?

quinta-feira, julho 02, 2009

RTP Lusofonia

Não podemos ter cá a RTP África em vez da RTP Internacional para as comunidades de emigrantes portugueses já velhinhos? Mudem-lhe o nome para RTP Lusofonia e acrescentem aos telejornais Timor e umas notícias de coisas ligadas à lusofonia passadas no Brasil (as que se passam em Portugal já aparecem). Acho que os timorenses iam gostar mais. O que é que interessa ao pessoal cá em Timor-Leste o telejornal da Madeira e dos Açores? Que espero que não sejam mostrados actualmente na RTP África! Os timorenses querem lá saber se o Alberto João Jardim inaugurou mais uma bica de água na aldeia de Alguidares de Baixo lá na ilha dele. Na altura das eleições para o Parlamento Europeu estive a apanhar uma seca a ver na RTP Internacional, transmitida no sinal da TVTL, um longo programa de análise eleitoral dos resultados... da Madeira!

sexta-feira, maio 01, 2009

Baía dos Crocodilos

Quando conheci o Pedro Rosa Mendes num jantar em casa de amigos aqui em Díli, aí há uns dois anos, perguntei-lhe quando é que escrevia um “Baía dos Crocodilos”. Tinha lido o “Baía dos Tigres” pela primeira vez uns anos antes, emprestado pelo meu amigo Lello, e lembro-me de ter pensado na altura que Timor precisava de um livro assim. Não falei ao Pedro do “Madre Cacau”, que havia comprado numa curta ida a Portugal mas que não tinha tido tempo de ler, e que lá tinha ficado em casa dos meus pais depois de eu lhe passar uma vista de olhos apenas. Na época não andava com muita paciência para ler livros de jornalistas sobre Timor, com uma ou outra excepção – em que se destaca o “Bitter Dawn” de Irena Cristalis – parecia-me que na maioria o ego era maior do que a história, do tipo “ó p’ra mim, eu estive lá”. Isso mostra que não devemos confiar em julgamentos apressados e em preconceitos – quando tive enfim a oportunidade de ler o “Madre Cacau” achei que era um bom livro de jornalista, do tipo que conta as histórias que devem ser contadas e que sabe ouvir as pessoas certas. Mas é outra coisa, não é ainda um baía dos crocodilos.
Entretanto fui conhecendo melhor o Pedro, e viemos até a tornar-nos saudara perguruan. Continuei a admirar o profissional íntegro, sério no seu trabalho, e que não se verga aos interesses instalados, sejam eles de gente importante ou de grupos da bica histéricos e convencidos de que os seus blogs são uma nova Bíblia. Ele deixou Timor há dias a caminho de uma nova colocação, espero vê-lo por cá outra vez qualquer dia. Sentiremos falta do seu jornalismo objectivo. Sou um tipo que ama Timor, mas acredito que o amor cego é doentio, e que é bom ouvirmos de vez em quando umas verdades duras sobre aquilo que amamos, ajuda-nos a manter a cabeça fria e a trabalhar melhor. Ao contrário do que alguns pensam, o Pedro Rosa Mendes é um gajo porreiro, e, melhor do que isso, não é um mercenário nem um turista, como alguns que por cá andam.

domingo, março 29, 2009

Estamos grávidos outra vez

Família e amigos,

estamos grávidos outra vez. E felizes, como sempre.


quarta-feira, dezembro 24, 2008

Resposta ao JPG

Ó homem, não se amofine, nem leia no meu texto coisas que eu não escrevi. Vamos a alguns factos para esclarecer o seu confuso e angustiado cérebro (que certamente terá um QI de 500 ou até para cima, não estou a pôr isso em causa).

1. O meu texto não é sobre o artigo de Pedro Rosa Mendes (um tipo porreiro, por sinal, além de escritor e jornalista que admiro). Certamente um malai inteligente como você poderia ter compreendido isso. Apenas citei uma frase do texto dele porque vinha a propósito para ilustrar um ponto. Reparou certamente que o exemplo que dei a seguir continua o raciocínio de Pedro Rosa Mendes expresso nessa frase, tal como o seu exemplo sobre os relógios de sol. A verdade é que não se fazem omeletes sem ovos, e o sistema de ensino timorense tem carências muito graves. Isto para além de outros factores, como por exemplo as deficiências ao nível da nutrição nas cruciais fases do desenvolvimento precoce que frequentemente deixam as crianças marcadas para toda a vida.

2. Você diz que:

Nem acho, como "malai", que espetar um ferro no coração de um animal seja um distinto sinal de civilização, de elevação cultural ou sequer de extraordinário "Q.I."

Pessoalmente não sou grande apreciador destas actividades que provocam sofrimento nos animais, embora tenha tido oportunidade ao longo da vida de participar na matança do porco em casa do meu avô aí em Portugal, segurando o animal enquanto lhe espetavam a faca. Os malais também matam animais, como certamente já terá tido ocasião de verificar. Suponho que você também não considera “um distinto sinal de civilização, de elevação cultural ou sequer de extraordinário Q.I.” espetar muitos ferros nas costas de um animal, como se faz na cultura do seu (nosso) país nas touradas, com presença e aplausos das elites culturais da nação, transmissão televisiva e muitos discursos sobre a celebração de uma tradição de séculos.

Sou eu que estou enganado ou haverá um certo tom de sobranceria nesse seu comentário? A civilização ocidental já terá ultrapassado essa fase primitiva de espetar ferros no coração dos búfalos, parece poder ler-se nas entrelinhas. Não se esqueça, por favor, em futuros comentários de comparar também o grau de civilização e de elevação cultural de um povo que alimenta o gado bovino (herbívoro) com carcaças industrialmente transformadas de animais mortos

[http://www.defra.gov.uk/animalh/bse/controls-eradication/causes.html].


3. E continua:

E quem diz matança do búfalo, diz sentido de orientação, diz destreza para a luta corpo-a-corpo ou diz memória genealógica.

Sendo professor terá certamente estudado diferentes teorias da pedagogia e da psicologia, e saberá portanto que há muito boa gente que considera os testes de QI obsoletos. Não me parece que seja preciso eu vir aqui “ensinar o Pai Nosso ao vigário”. Da mesma forma, também deveria saber que as competências da mente humana são plurais, e que é redutor querer pôr tudo no mesmo saco. Howard Gardner tem uma teoria famosa sobre isso. Se você der uma volta aí pelas feiras em Portugal vai certamente ter oportunidade de encontrar ciganos a vender roupa que são muito melhores no cálculo aritmético do que você com todo o seu QI, mesmo que possam não perceber os relógios de sol. Isso não lhes permitirá construir reactores nucleares ou descobrir a cura do cancro, mas permite-lhes fazer outras coisas necessárias ao seu trabalho.
Procurando um bocadinho só na Internet encontrei este excerto que poderá ser útil para o seu esclarecimento:

As pessoas com altas capacidades ou com talentos excepcionais diferem dos outros indivíduos pelas potencialidades que apresentam e pelo elevado nível de execução e concretização de que são capazes nas suas áreas de interesse. Pode ser uma forma de inteligência que se apresenta bastante desenvolvida e estruturada (por exemplo: a lógica-matemática), uma alta habilidade (por exemplo: para a liderança) ou um talento artístico (por exemplo: a criação musical). Tradicionalmente chamam-se sobredotadas a estas pessoas mas o termo tende a ser substituído por "Indivíduo Portador de Alta Capacidade".” [http://www.academiadesobredotados.com/]

É-lhe assim tão difícil aceitar que grande parte dos timorenses possa ter capacidades mentais superiores às suas em certas áreas, como as da “inteligência visuo-espacial” e da “inteligência socio-interpessoal”?

domingo, dezembro 21, 2008

Os malais têm memória de passarinho

É sempre perigoso querer medir inteligências, à maneira daquela corrente da psicologia estadunidense obcecada com QIs. Lembro-me de quando andava na faculdade ter sido cobaia de colegas meus, estudantes de psicologia, que andavam a participar nos esforços dos professores deles para adaptar os testes de QI para a realidade portuguesa. O problema é que os testes desse género medem competências específicas, e um lavrador lá da minha terra pode ter um péssimo resultado neles mas ter por outro lado capacidades e conhecimentos, ligados ao seu labor de amanhar a terra para nela semear a vida, que os doutos psicólogos nem sabem que existem.

Um texto recente do jornalista/escritor Pedro Rosa Mendes que deu muito que falar mencionava a existência de uma geração de timorenses que “chegou à idade adulta e ao mercado de trabalho sem muitas vezes conhecer conceitos como a lei da gravidade, o fuso horário ou as formas geométricas”. Sorri quando li isto no artigo, recordando os seis anos em que dei aulas na universidade em Timor e as muitas vezes em que expliquei nas aulas conceitos básicos, incluindo exercícios como “Se a estátua do Cristo-Rei fica a oito quilómetros daqui, isso significa uma distância de quantos metros?” ou “Se a altura da Maria é cento e cinquenta centímetros, quantos metros mede a Maria?” (os alunos que fizeram a escola primária no tempo colonial português – mesmo os que revelavam muitas dificuldades nas matérias leccionadas nas diversas cadeiras do curso – não tinham normalmente qualquer dificuldade em responder a isto, bem ao contrário de muitos jovens). Escrevi neste blogue em diversas ocasiões textos sobre a necessidade de preparar programas e currículos pensados a partir da realidade local, e não num qualquer gabinete distante por pessoas que sonham com um público-alvo que não existe. Mas não é disso que quero falar agora. O tema de que me ocupo aqui é a existência de algumas competências que os timorenses têm na sua esmagadora maioria e que deixam atónitos os malais que por cá andam. Uma delas é um refinadíssimo sentido de orientação. Todo o timorense sabe sempre para que lado está o mar e qual é a direcção para as montanhas. Daí que o seu sistema de coordenadas geográficas de uso quotidiano seja diferente do nosso. Enquanto o meu limitado cérebro só consegue computar direcções como ir em frente e virar à esquerda ou à direita, os timorenses dão habitualmente indicações como “sa’e” e “tun” (“subir” e “descer”). Isto é complicado de processar quando vou de motorizada com a minha mulher, seguindo as instruções dela para irmos a casa de alguma amiga, e todos os caminhos possíveis no cruzamento são completamente planos!...

Uma outra capacidade que os timorenses em geral têm extremamente desenvolvida é a memória para genealogias complexas, e para os rostos associados a elas. Vindo do ocidente onde, cada vez mais, família significa a família nuclear com poucas caras, fico com um nó no cérebro de cada vez que tento compreender todos os laços de parentesco da família alargada que algum familiar ou amigo me tenta pacientemente explicar. Uma das primeiras coisas que duas pessoas fazem aqui quando se encontram pela primeira vez é começar a explicar áreas geográficas de origem ou de ramificação das respectivas famílias, posicionando-se assim na complicada teia de parentescos e alianças que ocupa um papel central na forma como os timorenses se vêem no mundo. Tudo coisas demasiado complexas para malais, que têm memória de passarinho.

terça-feira, dezembro 02, 2008

Dizem que e uma especie de virus

La na minha terra as pessoas mais velhas dizem que ate parece bruxedo. Os mais novos e instruidos dizem que "e um virus que anda por ai". E contagioso como o fogo em palha seca. Os sintomas mais visiveis sao diarreia e vomitos. O meu filho parece ter sido contagiado por um amigo bebe dele, do meu filho passou para mim e para a minha mulher, na minha familia todos acabaram contagiados, em graus diversos: nos os tres, as minhas duas sobrinhas, a minha irma, o meu irmao e a mulher dele, os meus pais... Alguns tiveram que meter baixa no trabalho. Depois como aparece desaparece. No SAP aconselharam canja de arroz e maca cozida, e andamos uns dias a comer quase so isso.
Ja estamos recuperados felizmente. Mas parece confirmar a regra que diz que fico doente de cada vez que vou a Portugal...

terça-feira, outubro 14, 2008

Hafoin é que são elas

Se o jornalista do telejornal timorense disser a frase:

Prezidente Ramos Horta halo diskursu ida hafoin hatán ba jornalista sira-nia pergunta barak.

O que é que aconteceu primeiro, o discurso ou as respostas às perguntas dos jornalistas? Os velhos falantes de tétum téric não teriam quaisquer dúvidas, ele fez primeiro o discurso. Mas muitos falantes actuais de tétum-praça diriam que o discurso foi só após a sessão de perguntas e respostas. Porquê? É que a palavra “hafoin” parece estar actualmente a passar por um processo de evolução semântica. Da mesma forma que alguns falantes tentam substituir as tradicionais saudações em tétum “bondia” e “bonoite” por “loron di’ak” e “kalan di’ak”, há uma tendência actual para procurar vocábulos autóctones, mesmo que alterando o seu significado. Assim, e de acordo com os falantes de tétum téric que consultei, “hafoin” costumava ser equivalente a “depois é que” ou “depois maka” mas actualmente é também usado com o sentido de “depois de” ou “liutiha/depoizde”.

Ou seja, e de acordo com a acepção mais antiga de “hafoin”:

Prezidente Ramos Horta halo diskursu ida hafoin hatán ba jornalista sira-nia pergunta barak.
=
Prezidente Ramos Horta halo diskursu ida depois hatán ba jornalista sira-nia pergunta barak.

Prezidente Ramos Horta halo diskursu ida liutiha hatán ba jornalista sira-nia pergunta barak.” = “Prezidente Ramos Horta halo diskursu ida depoizde hatán ba jornalista sira-nia pergunta barak.

terça-feira, setembro 02, 2008

E bom estar de regresso

Dois dos meus sobrinhos aqui em Timor

segunda-feira, julho 21, 2008

segunda-feira, julho 07, 2008

Abrandamento ainda

Estive quase uma semana sem Internet e ando, ainda, cheio de coisas para fazer. Aos amigos que me mandarem e-mails a que não respondi nos últimos tempos, tenham lá um bocadinho de paciência que dentro de dias começarei a pôr a correspondência em ordem.

Burmese Days - 1934

There iss nothing I can do. Simply I must wait and hope that my prestige will carry me through. In affairs like this, where a native official’s reputation iss at stake, there iss no question of proof, of evidence. All depends upon one’s standing with the Europeans. If my standing iss good, they will not believe it of me; if bad, they will believe it. Prestige iss all.

George ORWELL – Burmese Days. London, Penguin Books, 2002, pág. 154 [1ªed. 1934]

Nos dias de hoje isto ainda seria verdade? Ou as linhas de separação traçadas pelos poderosos passam agora por outras fronteiras que não a etnia?

Caetano Veloso canta no “Haiti”:
Ou quase brancos quase pretos de tão pobres…


E o doutor Daniel da Barca, no belo romance do galego Manuel Rivas “O Lapis do Carpinteiro”, explica-nos:

«O único bo que teñen as fronteiras son os pasos clandestinos. É tremendo o que pode facer unha liña imaxinaria trazada un día no leito por un rei chocho ou debuxada na mesa por poderosos como quen xoga un poker. (…) Pero, por sorte, esta fronteira irá esvaéndose no seu propio absurdo. As fronteiras de verdade son aquelas que manteñen aos pobres apartados do pastel.» [sublinhado meu]

Manuel RIVAS – O lapis do carpinteiro, 6ªed. Vigo (Galiza), Xerais, 1998, p. 12-13

De bacalhoeiros e outros plebeus

Do conto “Charo A’Loura” (um dos meus preferidos do autor):

«Bem, pois neste filme, Capitães intrépidos, Spencer Tracy fazia de pescador na Terra Nova. (…) E aí entre Spencer Tracy, que no filme se chamava Manuel e era português. Pois bem, esse Manuel, pouco a pouco, vai fazendo o rapaz entrar na razão. Com poucas palavras fá-lo descobrir um mundo desconhecido. O verdadeiro sentido da coragem e do trabalho. Aqueles homens, rudes e sem estudos, reaparecem aos olhos do menino como heróis. Manuel era para ele uma espécie de Ulisses que pescava bacalhau (...)»

Manuel RIVAS – Alma, Maldita Alma. Lisboa, Dom Quixote, 2000, p. 59



sexta-feira, junho 27, 2008

Terra-longe

Kini rasanya aneh bahwa aku begitu terpisah dari persoalan-persoalan itu, yang selama ini menjadi bagian hidup. Aku belum juga nyambung dengan lingkungan ini, (...). Rasanya aku spesies dari dunia lain.

[Ayu Utami – Saman, cet ke-22. Jakarta, Gramedia, 2003, p. 168 (cet ke-1: 1998)]

É uma sensação estranha estar tão distante dos problemas que durante todo este tempo se tornaram parte da minha vida. Também ainda não me integrei neste ambiente (...). Sinto-me como um peixe fora de água.

[Ayu Utami Saman, cet ke-22. Jakarta, Gramedia, 2003, p. 168 (1ºed. 1998) – traduzido para português por JP Esperança]

quarta-feira, junho 25, 2008

Surpreendido

A Internet é uma coisa maravilhosa. Acabo de passar alguns minutos no Google à procura de imagens de algumas pessoas que só conhecia de nome e tive uma grande surpresa ao ver a correspondência entre os nomes e os rostos! A vida às vezes espanta-nos…

Tchuba na bin tchubi

«Chuva há-de vir, nha Venância. Veja que ela anda a rondar por cima de nós. Esta seca maldita não há-de durar toda a vida, não é verdade? E fixe bem. O dia de hoje é diferente do dia de ontem e o de amanhã será diferente do de hoje. Nha Venância sabe. A todo o momento as coisas se modificam. Amanhã todos teremos mais experiência. Quando mais não seja para sabermos dominar melhor o mal e a injustiça que pesa sobre nós.»

[Manuel Ferreira – Hora di Bai, 2ª ed. Lisboa, Portugália Editora, 1963, p. 253]

«Udan sei mai, tia Venância. Haree to’ok nia la’o hale’u iha ita-nia leten. Malisan rai-maran ne’e sei la dura vida tomak, loos ka lae? No hanoin didi’ak to’ok. Loron ohin la hanesan horisehik no loron aban sei la hanesan ida ohin ne’e. Tia Venância hatene. Iha momentu ida-idak buat sira nakfila an. Aban ita hotu sei iha esperiénsia tan. Se la’ós ba buat seluk pelumenus atu ita hatene domina di’ak liu buat aat no injustisa ne’ebé hanehan ita.»

[Manuel Ferreira – Hora di Bai, 2ª ed. Lisboa, Portugália Editora, 1963, p. 253 – tradusaun ba tetun husi JP Esperança]

Saudades de Aquilino

- Que há? Que há? – bramou por duas vezes com a sua voz de trovão.

[Aquilino Ribeiro – O Malhadinhas. Lisboa, Livraria Bertrand, 1958, p. 88 (1ª ed: 1922)]

A mim parece-me que Aquilino Ribeiro deveria ser leitura obrigatória nas aulas de Português Língua Materna das escolas secundárias do nosso país. A bem da nossa língua.




- Qu’est-ce qui se passe ici? Qu’est-ce qui se passe ici? beugla-t-il à deux reprises de sa voix de stentor.

[Aquilino Ribeiro – Les Sentiers du Démon. Paris, Éditions Chandeigne, 2004, p. 89 – traduite par Marie-Noëlle Ciccia & Claude Maffre]



- Saida mak akontese iha-ne’e? Saida mak akontese iha-ne’e? – nia ko’alia maka’as dala rua ho nia lian ne’ebé hanesan rai-tarutu.

[Aquilino Ribeiro O Malhadinhas. Lisboa, Livraria Bertrand, 1958, p. 88 – tradusaun ba tetun husi JP Esperança]


- Ada apa? Ada apa? – dia berteriak dua kali dengan suaranya yang seperti guntur.

[Aquilino Ribeiro – O Malhadinhas. Lisboa, Livraria Bertrand, 1958, p. 88 – diterjemahkan ke dalam Bahasa Indonesia oleh JP Esperança]


- Heta ke akontese her-kede’e? Heta ke akontese her-kede’e? – ú dale huru kui ru los ú-ni’i bo’a mane mege’es bregas.

[Aquilino Ribeiro – O Malhadinhas. Lisboa, Livraria Bertrand, 1958, p. 88 – tradusaun la tokodede pe JP Esperança los Fernanda Correia]

sábado, maio 24, 2008

Ana, uma moça de coragem

Ana Francisco Santos, uma moça que foi submetida a brincadeiras de mau gosto conhecidas habitualmente por praxe, teve a coragem de denunciar os agressores e estes acabam de ser condenados em tribunal. Há muitas Anas por este país que passam por experiências semelhantes e tentam relativizar e desculpabilizar esses actos porque têm medo de "levantar ondas"... Ou talvez tenham receio de encontrar um juiz que tenha sido praxista e que nunca tenha chegado a crescer como ser humano. Neste país de gente "que se fica", de amedrontados perante os poderosos e os prepotentes, a atitude da Ana devia ser um exemplo para todos nós.

***

Alunos da Escola Superior Agrária de Santarém condenados por praxe violenta a caloira


Os sete alunos foram acusados pelo Ministério Público dos crimes de coacção e ofensa à integridade física de uma caloira que foi barrada com excrementos. Um arguido foi considerado culpado do crime de coacção e seis foram considerados culpados do crime de ofensa à integridade física qualificada. A pena reflectiu o sofrimento da caloira, que se constituiu como assistente no processo, refere o Tribunal de Santarém. A sentença é “inédita” em Portugal e “pedadógica”, tal como havia sido pedido ao tribunal, comenta a advogada da antiga caloira. A representante legal dos acusados admite apresentar recurso, mas para já vai analisar a sentença do Tribunal de Santarém.

RTP 2008-05-23




Ainda a praxe…

Cara leitora, imagina que vais na rua e um desconhecido te exige que lhe entregues o Bilhete de Identidade, que removas uma ou mais peças de roupa, que o deixes pintar-te toda a cara e pôr-te pasta de dentes no cabelo. Imagina que ele te diz que tu és pior que um verme, que te manda cantar canções com letras obscenas e que te faz deitar no chão enquanto um gajo que não conheces de lado nenhum faz flexões em cima de ti. Isso é… Bem, isso é agressão, assédio sexual, atentado contra o pudor, ou outras coisas inventariadas no código penal. Imagina agora que o tal desconhecido está vestido com capa e batina pretas. Isso é praxe!
A praxe não é coisa nova, os rituais de iniciação são velhos como a humanidade. Nas sociedades tradicionais a entrada na vida adulta é normalmente precedida de provas que podem assumir a forma de mutilações como a circuncisão e a excisão. Por cá as práticas foram mudando, mas quem nunca ouviu a geração dos nossos pais a dizer coisas como «não é homem quem nunca foi à tropa»? E o mundo militar é pródigo nestas coisas. As provas são tanto mais duras e os rituais mais elaborados e penosos quanto é restrito o acesso ao estado, grau ou instituição de que se quer fazer parte. Um instrutor de uma tropa de elite pergunta ao jovem recruta exausto e ofegante: «Você está cansado? Ai sim? Então faça lá mais trinta flexões… E agora, está cansado? Não? Ainda bem, nós queremos aqui homens de barba rija e com tomates. Venha de lá uma completa de cinquenta!...» Se o infeliz não faz o que lhe pedem é colocado fora do grupo, indigno de pertencer aos “eleitos”: «Então berre aí bem alto para os seus camaradas ouvirem que você é um paneleiro de merda que só presta para o “arre-macho”». Quem não se submete não pode ser um “iniciado”, um “veterano”, e é ameaçado com a ostracização. «Se não fores praxado, não vais fazer amigos na Faculdade».
Antigamente a praxe coimbrã era altamente ritualizada, quando ser estudante universitário era inacessível à maioria da população. O caloiro não podia andar na rua depois das sete, sob o risco de ser apanhado pelas trupes e ser mimoseado com penas como o cabelo rapado. Tinha também “protecções”, como o facto de estar acompanhado pelo pai ou pela mãe na ocasião, por exemplo, poupando assim ao vexame os familiares. A praxe tinha regras que os veteranos tinham também de seguir. A massificação do acesso à universidade, em vez de tornar obsoletos estes rituais, “apimbalhou-os”, pô-los ao nível da sociedade “Big Show Sic”. Entre a praxe desses tempos (a tal “tradição académica” de que eles falam) e a palhaçada actual há a mesma relação que existe entre o confessionário da aldeia dos avós (onde o pároco ameaçava com o fogo do Inferno quem não cumprisse as penitências todas) e o “Perdoa-me”, aquele programa de televisão execrável que era líder de audiências.
Também já defendi a praxe, mas depois pus-me a pensar, um hábito que se vai tornando cada vez mais raro nas nossas universidades. Que “integração” traz a “praxe”? Não há maneiras melhores de fazer amigos do que ser humilhado, ridicularizado, usado como um boneco masoquista nas mãos de sádicos ou de pessoas com problemas não-resolvidos ao nível da socialização ou da sexualidade? A preocupação com a dignidade do ser humano não pode começar aqui mesmo com os nossos colegas inexperientes, caloiros recém-chegados a este mundo que deveria ser do humanismo, da busca do conhecimento?
P.S. – Não tenho brincos no nariz, nas orelhas, nas sobrancelhas ou em qualquer outro lugar mais íntimo, nem tenho o cabelo verde, nem sou filiado ou simpatizante do Bloco de Esquerda. Evidentemente que não tenho nada – a não ser divergências ideológicas – contra quem é enquadrável nestas características, mas achei pertinente este esclarecimento porque tenho visto algumas mentalidades pequeninas a combater as ideias contra esta praxe com argumentos do género «eles dizem isso porque são radicais com o cabelo roxo».

João Paulo Tavares Esperança

Publicado no jornal “Fazedores de Letras” (da Associação de Estudantes da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), nº30, Dez 99, p.5