sábado, abril 13, 2013

A nova literatura de Timor-Leste começa a desabrochar



Durante muitos anos a literatura (não a oratura) de Timor-Leste era essencialmente em português. Desde há alguns anos têm começado a aparecer novas obras e autores que se exprimem em tétum. Quando eu era uma criança, uma professora de português que tive – provavelmente satisfeita pelo facto de já então eu ser um leitor voraz – escreveu num caderno meu a frase “Um país faz-se com homens e com livros.”, de Monteiro Lobato (mas que eu durante anos pensei que fosse de Mário Sacramento, um democrata ilhavense durante a longa noite do fascismo em Portugal). Foi uma frase que me impressionou muito, e que considero ainda hoje um dos meus motes. Timor-Leste é para mim a minha terra adoptiva e creio que ninguém pode negar que o século XX viu nascer neste país homens e mulheres de uma grandeza excepcional, mas em grande medida ainda faltam os livros. Há alguns, com destaque para as obras do Takas (Luís Cardoso), mas sendo escritos em português, que é uma das línguas dos timorenses mas que muitos ainda não dominam, têm uma penetração reduzida na sociedade. O aparecimento recente de uma literatura tetumófona permite-nos ter esperança de que as coisas mudem e que apareça em breve uma geração que lê. E ler em tétum não é nunca um obstáculo a que se venha a ler em português. Ler em tétum na infância pode despertar nos miúdos o bichinho dos livros, e quem fica assim cativado nunca mais vai deixar de querer ler, e quando acabarem de ler os livros em tétum (qualquer leitor pode ler num espaço de tempo relativamente curto TODOS os livros em tétum que existem, infelizmente), e continuarem com ânsia de conhecimento e de emoções, vão ler noutras línguas, começando evidentemente pela portuguesa.
Irei começar a falar aqui de livros com mais frequência, de livros de Timor, livros sobre Timor, e de livros em tétum – originais ou em tradução. Hoje vou começar com uma pequena novela publicada pela ONG Timor Aid em Novembro de 2012 intitulada “Inan ne’ebé iha bosok ualu” [A mãe que disse oito mentiras] do escritor timorense de 17 anos de idade Ariel Mota Alves. A obra obteve um terceiro lugar no concurso literário em tétum organizado anualmente pela Timor Aid e pela Fundação Alola, de que também já cheguei a ser membro do júri. Trata-se de um livrinho com uma história mais ou menos linear, de pendor moralista, mas bastante eficaz na transmissão da sua mensagem. As personagens principais são Bisoi e o seu filho Atoi, e a história gira em torno dos desafios que enfrentam ao longo das respectivas vidas. Mãe e filho são extremamente pobres, mas o sacrifício abnegado da mãe vai criando oportunidades onde elas não existiam para dar uma vida melhor ao seu menino. Este por seu lado vai aceitando e beneficiando com isso, e acrescentando o seu esforço ao da sua progenitora, mas terá que enfrentar também os seus próprios dilemas.
Um livro que, não obstante o enredo pueril, devia ser amplamente lido pelas crianças e jovens timorenses, como uma chamada de atenção para os fazer pensar no que os seus pais muitas vezes fazem por eles, e também como uma homenagem às mulheres deste país. Conheci muitas timorenses com a fibra desta Bisoi ao longo de mais de uma década em Timor. A literatura não tem que tentar mudar o mundo, mas pode tentar mudar o mundo. Esta obra, de um escritor tão jovem, tenta fazer o seu quinhão.


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