sexta-feira, setembro 25, 2015

Refugiados e emigrantes (ou imigrantes, dependendo do ponto de vista)

Na década de 70 os portugueses que fugiram, na maioria com pouco mais do que a roupa no corpo, das ex-colónias em África eram refugiados com medo da guerra civil ou de regimes ditatoriais marxistas de partido único em que não se sentiam seguros. Chamaram-lhes "retornados", mas havia muitos que eram africanos, tinham lá nascido, e não estavam a "retornar" coisa nenhuma.
Os portugueses que iam em massa para a França, para a Alemanha, e para outras paragens, já antes do 25 de Abril (hoje estão a ir outra vez!), eram na maioria emigrantes, muitos clandestinos. Juntavam algum dinheiro para a viagem e iam tentar a sorte, procurando ganhar a vida em lugares onde se vivesse melhor. Esses eram os que se ficassem em Portugal não corriam à partida grande risco de serem assassinados ou torturados (também havia os que fugiam à tropa e à guerra colonial, mas muitos partiam - clandestinos ou não - já depois de terem feito a tropa e andado na guerra).
Os timorenses que fugiram para Atambua em 1975, quando as forças políticas a que estavam ligados perderam a guerra civil, eram refugiados. Fugiam com medo de serem torturados ou mortos.
As famílias timorenses de que ao longo da década de 90 costumávamos ir despedir-nos ao aeroporto da Portela, quando arrancavam para a Austrália, eram emigrantes - não corriam qualquer perigo em Portugal, mas iam tentar a vida num país com um nível de vida melhor.
Os milhares de timorenses-portugueses, portadores de passaporte português, que continuam a ir para a Inglaterra e Irlanda do Norte também são emigrantes. Ninguém os persegue aqui, partem por razões económicas.
Os timorenses que, acossados pelos militares indonésios e pelas milícias, se abrigaram no recinto da UNAMET em 99, e foram depois evacuados para a Austrália, eram refugiados. Os milhares e milhares que os tentaras e as milícias levaram para Atambua à força após o resultado do referendo ser anunciado eram uma espécie de reféns - quase todos estavam aterrorizados, mas o terror deles era causado precisamente pelos que os levaram para lá.
A distinção entre refugiados e emigrantes clandestinos é importante. Dizia-se há umas décadas que havia um milhão de portugueses na França, não se podia esperar que o Estado francês lhes desse a todos os apoios que se devem dar aos refugiados, mas podia-se fazer campanha pela concessão do estatuto de refugiado àqueles que fugiam para lá para não serem presos pelas suas atividades políticas contra a ditadura em Portugal.

quarta-feira, agosto 05, 2015

A espera



A data prevista está ultrapassada. Vamos à consulta já com a tralha toda no carro, para o caso de ser necessário ficar já internada. É de facto assim, e dirigimo-nos então para a maternidade, na outra ponta do hospital. A Mana Di vai depois lá ter. De ambos os lados da sala de partos, a todo o comprimento, há divisões, feitas com cortinas, onde acontecem os partos, com duas parturientes por divisão. Eu fico fora da sala de partos, os homens não podem permanecer, só podem entrar e sair, para verem o seu filho e mulher depois do nascimento. As parturientes levam uma familiar ou amiga para as acompanhar durante a sua provação. Cá fora famílias sentam-se no relvado, como nos piqueniques do 1º de maio da minha infância, mas aqui não há risadas e animação. As mulheres sentam-se juntas, falam em sussurros com o ar entendido de veteranas, com o respeito solidário de quem já lutou muitas batalhas, algumas terão talvez já perdido algumas. Os homens, de aspeto esgazeado, ficam na maioria calados. Há um grupo de militares das FDTL, vários de camuflado, outros à paisana, provavelmente um terá a mulher lá dentro e os restantes fazem companhia ao camarada. Os homens, em geral, parecem perdidos ali, soldados de retaguarda que da janela do seu escritório veem partir para uma incursão perigosa atrás das linhas inimigas um pelotão de tropas especiais, admirando de longe com apreensão um tipo de heroísmo que lhes está vedado. É só para mulheres, que são o sexo forte. Há uma estátua da Nossa Senhora de Fátima no hall de entrada, de vez em quando vai alguém lá que lhe toca e se persigna, em oração silenciosa. De resto, independentemente das religiões ou falta delas, todos compreendem intuitivamente que aqui é território sagrado, um espaço onde é mais fina a linha que divide a vida da tragédia. Timor-Leste conseguiu progressos importantes nos últimos anos nesta área, mas ainda é altíssima a taxa de mortalidade de mães e bebés. Só as crianças que por ali brincam permanecem alheadas do drama – a maravilhosa inocência da infância.

Há um telheiro cá fora, à porta da maternidade, com bastantes cadeiras, é a sala de espera. Tento concentrar-me nos passarinhos que cantam nas árvores que rodeiam o edifício e ignorar os lamentos de dor que chegam lá de dentro e os gritos estridentes de um grupo de equivalentes indonésios do João Paião na televisão da sala de espera. Vejo famílias que partem, passam com um recém-nascido nos braços, as suas trouxas e um balde (que pode ter roupas sujas, ou a placenta para enterrar ou pendurar numa árvore, conforme os costumes). A mulher combalida, de sorriso cansado, anda devagar. Em muitos casos, as suas provações não terminaram. A tradição manda que a mulher que deu à luz seja escaldada frequentemente no corpo com água quentíssima e que não lave a cabeça durante quarenta dias, sofrendo estoicamente a caspa e a gordura e os piolhos. Para boa parte das famílias a tradição ainda é o que era.

De vez em quando uma maca de rodas transportando uma mulher sai da maternidade e entra pelos corredores resguardados com telheiros que, por entre as zonas de relva, levam a outros edifícios. Creio que vão para as cesarianas, realizadas noutro local. Um jardineiro desenrolou uma mangueira que atravessa o primeiro destes corredores e todas as macas têm de dar um saltinho à força de braços.

Minutos depois das duas da tarde, a Mana Di vem-me chamar. A minha filha nasceu. Ela e a mãe estão bem. Correu tudo bem, parto normal como os dois mais velhos, por baixo do seu ar pequenino e meigo a minha mulher é uma Super-Mulher discreta. Agora já posso entrar. Vou pegar na minha menina ao colo, falar com a minha mulher. O alívio e a felicidade misturam-se, é como se me tirassem um peso de cima. Entretanto é preciso sair dali, há outra senhora no mesmo cubículo à espera de dar à luz, fico a aguardar no hall que elas sejam transferidas para um dos quartos de permanência pós-parto.  

Enquanto por ali espero, um segurança aparece a berrar lá fora por um altifalante que a hora da visita já acabou. A sério! Com um altifalante! Com apenas uma parede a separá-lo de umas duas dúzias de mulheres em pleno trabalho de parto! Repetiu a sua cantilena sem parar durante uns dez minutos: “a visita já acabou, as pessoas que vieram de visita têm que desaparecer da sala de espera, há gente que anda aqui a fumar, até há mulheres que andam aqui a fumar, a visita já acabou, etc, etc.”

No quarto do pós-parto o ambiente é muito mais descontraído. Mães e parentes conversam comparando experiências, umas tiveram uma boa hora, outras tiveram uma hora não tão boa, mas o pior já passou. A Fernanda e a Cármina dormem lá a primeira noite, acompanhadas pela Mana Di. No dia seguinte de manhã ainda tenho oportunidade de ouvir, da porta, parte do sermão da profissional de saúde que prega – sabendo que em muitos casos é em vão – contra os aspetos mais nefastos da tradição, dando bons conselhos às mães. A minha mulher e filha têm alta pelas dez da manhã.       

É a nossa vez de partir, fazendo o cortejo feliz de celebração da vida.


quinta-feira, maio 07, 2015

Um comentário sobre a variedade timorense da língua portuguesa

Acabo de ler um texto que falava sobre as possibilidades de desenvolvimento de uma norma própria para a variedade timorense da língua de Luís Cardoso, Jorge Amado e Saramago. Acho que, mesmo nos PALOP, a afirmação de uma norma própria não é tão pacífica como às vezes se pensa... Parece-me que Moçambique é onde foram dados mais passos nessa direção. Há recetividade em relação à incorporação de itens lexicais específicos de cada um dos países, mas muito mais reticências em relação a outros aspetos. Aqui alguns dos traços da variedade timorense do português que eu observava quando cheguei, em 2001, mantém-se. Por exemplo, construções do tipo "Escreve ainda" (transferência do "Hakerek lai") são quase omnipresentes nas várias gerações de falantes, incluindo as crianças, e parece-me que estão cá para ficar. Uma frase como "Deixa ele comer ainda" já me parece menos estável, porque pode ser simplesmente uma realização própria de interlíngua substituída por "Deixa-o comer ainda" quando o falante tiver um domínio melhor da língua. No léxico, palavras como "liurai" estão perfeitamente incorporadas na variedade local do português, mas vejo que há vocábulos do português como "néli" que foram usados - em português - por muitas gerações de timorenses, e que parecem de utilização menos comum pela mocidade; creio que a razão é que os inputs são diversos, e muitos deles vêm de falantes de outras variedades do português (não a variedade timorense). Os bordões linguísticos são uma área particularmente gira. Se prestarem atenção às cachopas e garotos timorenses a falar português vão ouvir coisas como "Foi ele !" ou "É este !"

Como dizia o Bruce Lee: "“Absorb what is useful, discard what is not". A propósito do português língua do ensino em Timor...

Num congresso em Díli, há alguns anos, em que se falou sobre o uso das línguas maternas como línguas do ensino (=línguas de instrução), um dos oradores convidados foi um maori que falou sobre o sucesso das Kōhanga Reo. Parece-me um modelo que Timor poderia analisar para ver o que pode ser útil para cá: 
  - os maoris perceberam que menos de 20% dos maoris falavam bem maori, 
 - a sua liderança definiu um projeto político em que falar bem maori era um objetivo político e identitário claro, 
  - criaram uma rede de pré-escolas em que crianças cuja língua materna era o inglês (filhos de pais que falavam inglês e não maori em casa) aprendiam maori e em maori. 

Por cá os líderes políticos timorenses eleitos pelo povo é que têm de decidir se a língua portuguesa faz realmente parte do seu projeto político e identitário ou não...



Interação da língua portuguesa, do tétum e da fé criou nação timorense - Ex-PM Alkatiri

07 de Maio de 2015, 10:10
A tripla interação entre a língua portuguesa, o tétum praça e a fé católica e animista levou ao nascimento da "grande casa sagrada" que é a nação timorense, afirmou ontem o ex-primeiro-ministro timorense Mari Alkatiri.
Foto: Pedro Sá de Bandeira/EPA
"Para se compreender a importância da língua portuguesa, tem que se entender a mesma na sua interação com o tétum praça. E a interação entre as duas línguas e a fé dos timorenses e entre o monoteísmo católico e a prática animista", afirmou ontem em Díli.

Trata-se, disse, de elementos que servem como "oxigénio" para a reafirmação da identidade timorense, "em todo o seu mosaico" socio cultural pelo que questionar qualquer desses elementos coloca em risco essa identidade.

Mari Alkatiri falava num colóquio em Díli subordinado ao tema "Uma língua - Várias identidades", inserido nos eventos da Semana da Língua Portuguesa do Parlamento Nacional.

Em resposta a perguntas da plateia, Mari Alkatiri criticou o que disse ser a má política adotada nos últimos anos no ensino da língua, com comunicações no setor público em inglês ou indonésio.

Como exemplo do que diz serem erros políticos sobre esta matéria, recorda que quando a troika chegou a Portugal foi convidado pelos então chefe de Estado, José Ramos-Horta e primeiro-ministro, Xanana Gusmão, para os acompanhar a Portugal "comprar dívida pública portuguesa".

"Tínhamos 6 mil milhões de dólares no fundo petrolífero e queriam comprar dívida pública. Isso nem dá para fazer cantar um cego. Eu disse que preferia ir lá, mas era para contratar professores portugueses", afirmou.

Alkaiti insistiu que esta política é essencial para defender a soberania timorense no contexto regional e sub-regional, e para defender o tétum que só se reforçará com o português e que, se se tentar desenvolver com o inglês ou indonésio "simplesmente desaparece".

"A política nacional tem que ser muito clara. Se não o for seremos mais um país no lago australiano ou um meio Estado na extensão da Indonésia. Essa é a realidade", afirmou.

"Fomos tão determinados a fazer a luta pela independência e estamos a perder a determinação de defender esta independência, os elementos que garantem a defesa desta independência", disse, criticando os que defendem o uso das línguas maternas que contribuem para "balcanizar" o país.

Numa intervenção em que recordou o papel da língua portuguesa em Timor-Leste, "da colonização à libertação", Alkatiri disse que o português começou como uma "língua política e sociocultural de dominação", algo que se foi diluindo ao longo dos séculos.

Um processo que ocorreu sem que o português tenha, em qualquer momento, deixado de ter interação com a sociedade timorense que o procurava sempre como aliado", especialmente nas duas ocupações, a japonesa e a indonésia.

"Os timorenses intuitivamente ou empiricamente sabiam que a melhor forma de afirmar a sua diferença era manter esse vínculo à identidade lusófona", algo que os ajudava a defender-se das presenças invasoras "mais perigosas e dominadores".

@Lusa

terça-feira, abril 21, 2015

O tétum não é um crioulo de base lexical portuguesa

Volta e meia surge um texto de algum estudante das coisas das línguas em Timor a dizer que o tétum é um crioulo de base lexical portuguesa, o que é tão correto como dizer que o inglês é, na verdade, um crioulo de base lexical francesa.



Este livro (“Ordered Profusion – Studies in Dictionaries and the English Lexicon”), por exemplo, diz que no “Shorter Oxford English Dictionary” 28,30% das palavras têm origem no francês antigo, incluindo o anglo-francês, ou no francês; 28,24% são de proveniência latina; e apenas 25% do vocabulário é de origem germânica (juntando aqui também o inglês antigo, o inglês médio, o nórdico antigo e o holandês.

O tétum não é um crioulo de base lexical portuguesa; podemos considerar que o tétum-praça é um crioulo cuja base lexical é o tétum-téric, o português surge só como um superestrato posterior. A zona de Díli era originalmente de língua mambai. É possível que muitos dos cerca de 1200 indivíduos (dos quais 15 eram brancos) que para cá vieram aquando da transferência da capital de Lifau para aqui falassem um crioulo de base lexical portuguesa semelhante ao crioulo de Malaca (ainda conhecido por alguns habitantes do antigo bairro de Bidau na década de 50 do séc. XX), mas não falavam tétum (língua pouco relevante na parte ocidental da ilha). O afluxo de gentes de vários lugares à capital provavelmente levou a que o tétum, que na parte oriental da ilha já funcionava como língua franca entre os vários reinos, se tornasse a língua de Díli. As línguas francas tornam-se muitas vezes o idioma da população do centro urbano mais importante da sua região; veja-se os casos do malaio Betawi que se tornou a língua de Batávia (atual Jacarta), o crioulo malaio em Cupão e o crioulo guineense em Bissau. O uso do tétum como língua segunda por uma grande quantidade de falantes de outros idiomas, com destaque para os mambais, levou a que passasse por um processo de simplificação, a que podemos chamar crioulização, mas continuando a ser de origem tétum boa parte do léxico básico deste tétum-praça. Numa primeira fase absorveu também muitos termos do malaio, língua franca do comércio entre ilhas, depois passou por um processo de relexificação parcial com vocabulário do português (daí que o tétum-praça atual – e não obstante algumas propostas puristas recentes – inclua grande percentagem de léxico de origem portuguesa, não apenas para os registos mais elevados e os domínios mais técnicos, mas também para coisas do dia a dia como a fauna e flora locais, as saudações entre as pessoas e os termos de parentesco). Mas continua a ser suficiente comparar uma lista de Swadesh para o tétum-praça e para um crioulo de base lexical portuguesa para ver as diferenças…


Outra coisa que se lê de vez em quando é que o tétum-praça se chamaria assim por ser a língua do mercado. Devem pensar que estão da praça do peixe de alguma vila piscatória portuguesa… A praça de armas era onde residia o governador e a sua guarnição, era o centro urbano. O tétum-praça era portanto o tétum da cidade (por modesta que fosse a cidade).

segunda-feira, abril 13, 2015

Línguas de ensino

Há dias participei num debate no Facebook com uns colegas da área da linguística e ensino sobre o significado do Artigo 8.º da Lei de Bases da Educação (“Línguas do sistema educativo”), que diz que: ”As línguas de ensino do sistema educativo timorense são o tétum e o português.” Creio que é óbvio para quem saiba ler português que a intenção do legislador era dizer que as escolas do sistema de ensino timorense têm que ensinar os diversos conteúdos (matemática, ciências, etc) nas línguas oficiais, até porque a LBE foi aprovada em 2008 e na legislatura de 2007-2012 o Parlamento Nacional também aprovou a Resolução nº 20/2011. Mas, como houve uma colega que defendeu uma interpretação diferente, a de que a referência a “línguas de ensino” no artigo 8º significa que “no sistema educativo timorense o tétum e o português são disciplinas ou componentes curriculares“, fiz uma pesquisa rápida na Internet para ver com que significado é que a expressão “línguas de ensino” é usada pelos especialistas no ensino de língua segunda e língua estrangeira.
Eis alguns excertos de documentos que encontrei:

Da Professora Doutora Maria José Grosso:
"Os que são oriundos de países africanos e que têm o português como língua segunda, (acepção de língua de ensino com estatuto oficial, ensinada nas escolas e que participa também na socialização da criança e no seu desenvolvimento cognitivo); estudam português por razões académicas ou profissionais (ou os que em idade escolar estão inseridos no Sistema do Ensino em Portugal). http://mha.home.sapo.pt/imagens/t4.pdf

Ainda segundo Maria José Grosso (et al) no QuaREPE:
“Os conceitos de língua materna, língua estrangeira, língua segunda são conceitos polissémicos que não correspondem a uma definição linear. O conceito de Língua Materna apela ao de língua da socialização, que, por definição, transmite à criança a mundividência de uma determinada sociedade, cujo principal transmissor é geralmente a família. O conceito de Língua Estrangeira facilmente se define como a língua que não faz parte dessa socialização primária, estando subjacente uma série de princípios metodológicos. Na tradição da didáctica das línguas, o conceito de Língua Segunda ocorre frequentemente como a língua que, não sendo materna, é oficial (ou tem um estatuto especial) sendo também a língua de ensino e da socialização secundária. Há, no entanto, alguns autores que consideram que é Língua Segunda desde que os aprendentes estejam em imersão linguística, num contexto em contacto com os falantes nativos da língua que aprendem. Cf. Grosso (2005: 608).”

Diz-nos Marie Quinn num texto de 2008 (Choosing Languages for Teaching in Primary School Classrooms):
In relation to the Portuguese, this position has been further strengthened by the recent educational directive from the MEC. In this, Portuguese is identified to take precedence as the language of education, while Tetum, seen predominantly as an oral language, will serve as an auxiliary language together with mother tongues:

… dado que o Tétum ainda está em processo de desenvolvimento e sendo uma língua predominantemente oral, o Português terá preferência como língua de instrução ou ensino. O Tétum, particularmente, e as demais línguas maternas serão usadas como línguas auxiliares pedagógicas, quando necessário, particularmente nos primeiro anos.

given that Tetum is still in the process of development and being a predominantly oral language, Portuguese will have preference as a language of instruction or teaching language. Tetum, particularly, and the other maternal languages will be used as auxiliary pedagogical languages, when necessary, particularly in the first years.
MEC 2006“

 Do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas:
"No exemplo sumário que se apresenta de seguida, que trata daquilo que pode ser pensado pelas opções ou variações de cenário, são delineados dois tipos de organização e de decisões curriculares para um determinado sistema escolar, de forma a incluir, como acima foi sugerido, duas línguas modernas para além da língua de instrução (convencionalmente, mas de forma errada, referida abaixo como língua nativa, uma vez que todos sabem que a língua do ensino, até na Europa, não é, frequentemente, a língua materna dos alunos): uma língua iniciada na escola primária (língua estrangeira 1, daqui por diante LE1), outra no nível secundário inferior (língua estrangeira 2, daqui por diante LE2) e ainda outra (LE3) como disciplina opcional, no ensino secundário de nível mais avançado." 

De Isabel Leiria:
Não se pense, contudo, que a unanimidade tem sido absoluta entre os africanos (do mesmo modo que não tem sido entre os portugueses), não quanto à opção do português como língua oficial, mas como primeira e única língua de ensino e de alfabetização. (...) Experiências de ensino bilingue têm sido ensaiadas, mas sem grande sucesso. Na Guiné-Bissau, por exemplo, no ano lectivo de 1977/78, com o apoio de Paulo Freire, foram criados Centros de Educação Popular Integrada (CEPI). Foi decidido utilizar "a língua comunitária, o crioulo, como língua de ensino para melhor facilitar a aprendizagem dos conteúdos e a inserção das crianças na escola." Os resultados não foram muito visíveis, porque nas zonas de implantação dos CEPI (manjaca, balanta e bijago) o crioulo não era língua veicular para estas populações, porque se continuava a fazer sentir a influência dos ensinamentos de Amílcar Cabral (a língua oficial é o português) e porque "a população tem uma atitude passiva e às vezes mesmo negativa quanto à introdução do crioulo" (Barreto 2005).”

No documento “Diversidade Linguística na Escola Portuguesa” do ILTEC:
“Por enquanto, em Portugal, todas as aprendizagens (para além das línguas estrangeiras) são feitas em língua portuguesa, mesmo que, através das equivalências, os alunos originários de outros países se possam integrar num qualquer ano do ensino básico sem dominarem, ou dominando mal, a língua de ensino que para eles é língua segunda.”

Portanto, está demonstrado que muitos importantes especialistas usam os termos “língua de ensino” e “língua de instrução” como sinónimos, com o significado de língua em que funciona o sistema educativo. E, de resto, não é apropriado para estudantes destas coisas usar malabarismos terminológicos para tentar convencer os outros das suas opiniões; a pedagogia e a linguística não são como na matemática, em que 2+2 são sempre 4, e basta ler autores como Skinner, Lado, Chomsky, Bley-Vroman, Krashen, Zobl, Schwartz, White, etc, para perceber que há distintas formas de definir os conceitos e muitas teorias diferentes sobre como funciona a aprendizagem da língua segunda (ou aquisição da língua segunda – nem sobre isto os especialistas se entendem).

A política linguística de um país é definida pelos representantes democraticamente eleitos do povo desse país, não por técnicos. O papel dos técnicos é implementar a decisão política. 

sexta-feira, abril 03, 2015

Saber ler é importante, e mais ainda quando se sabe ler numa língua em que há livros...

Quando parecia que as línguas oficiais consagradas na Constituição já não eram motivo de polémica, e que o aparelho do Estado estava mobilizado para a implementação de uma política linguística comum, o recente debate público sobre a introdução das línguas regionais como línguas de instrução no sistema educativo veio dar uma nova visibilidade a algumas vozes que rejeitam o português como língua oficial, com o argumento de que usar o português “é ser colonizado”. Um dos fóruns onde defendem essa posição é o Facebook. Um alucinado qualquer partilhou um “post” meu [https://www.facebook.com/jpesperanca.timor/posts/1039876492706556] num grupo timorense do Facebook chamando-me “fascista” e “colonialista” por causa do que digo sobre a língua de alta cultura.
Respondi-lhe com links para os livros traduzidos para tétum registados no Index Translationum da UNESCO, que são 3:


http://www.unesco.org/xtrans/bsresult.aspx?a=&stxt=&sl=... 

e os traduzidos para português registados na mesma lista, que são 80602:


http://www.unesco.org/xtrans/bsresult.aspx?a=&stxt=&sl=... 

Sei que ambas as listas estão incompletas, mas já dá para ter uma ideia do que eu queria dizer.  :-)

"Pedagogos" pobres de espírito

Há um discurso preocupante em certos círculos pedagógicos que se movem por cá, o de que é “ser colonizado” poder ler como estas crianças* leem e que os alunos das escolas rurais só podem ler meia dúzia de livrinhos “sobre a realidade da sua aldeia”. Como na aldeia não há astronautas, nem comboios, nem girafas e leões, nem pinguins, nem mulheres arqueólogas ou cirurgiãs, nem tantas outras coisas, os miúdos não podem ler sobre essas coisas. Esses “pedagogos” parecem querer impedir as crianças de sonhar… Cria-se assim um fosso entre as crianças educadas em escolas que os preparam para ser futuros cidadãos do seu país e cidadãos do mundo (mesmo que morem na aldeia), e as que são preparadas para terem horizontes curtos que não vão além do seu knua… 
Haver contextualização de materiais não significa fechar as janelas!




* que são os meus meninos.

sábado, março 21, 2015

Ainda a polémica das línguas maternas no sistema educativo timorense:



(1) - Deve haver poucos educadores de infância ou professores primários em Timor que não falem tétum (e suponho que seja procedimento padrão no Ministério da Educação não contratar professores que não saibam tétum).


(2) – As crianças, mesmo aquelas que não têm o tétum como uma das suas línguas maternas, tornam-se na maior parte das comunidades rapidamente bilingues assim que entram na escola, de forma natural, ao brincar e conviver no recreio com crianças provenientes de famílias com línguas maternas diversas. O tétum tornou-se língua franca de Timor de forma natural, como uma maneira prática de as comunidades se entenderem, mesmo antes de o tétum ser língua oficial e uma das línguas da escola. Qualquer fataluco ou baiqueno que venha morar para Díli vê os seus filhos (antes monolingues na língua regional) a falar tétum com os vizinhos poucos meses depois de chegarem, de forma natural, sem ser sequer preciso ensiná-los.


(3) – O tétum é em Timor-Leste a língua de unidade nacional, a língua em que toda a gente se pode entender, em que o povo (mesmo as crianças da escola primária) pode ver as notícias na televisão nacional. O português é a língua oficial que dá acesso à alta cultura, ciência, etc (não porque o tétum não pudesse ser língua de ciência, mas porque as condições sócio-económicas e demográficas não o permitem: o mercado leitor timorense é reduzido, os produtores de conhecimento e bens culturais de alta cultura em tétum são muito poucos).


(4) – Uma criança leitora é um professor de si mesmo. Desde que tenha aprendido a ler numa língua em que há livros.


(5) – Uma criança aprende mais facilmente línguas quando é pequenina.


(6) – As pré-escolas e escolas primárias timorenses podem ser facilmente lugares de imersão em tétum, já que todos os professores, e muitos dos alunos, falam esta língua. A questão depois seria planificar o ensino do português, logo desde a chegada à pré-escola, e dar aos professores que ainda não dominam este idioma as aulas planificadas que os ajudem no seu trabalho. Será que se justifica trazer as línguas regionais para a equação?