segunda-feira, abril 13, 2015

Línguas de ensino

Há dias participei num debate no Facebook com uns colegas da área da linguística e ensino sobre o significado do Artigo 8.º da Lei de Bases da Educação (“Línguas do sistema educativo”), que diz que: ”As línguas de ensino do sistema educativo timorense são o tétum e o português.” Creio que é óbvio para quem saiba ler português que a intenção do legislador era dizer que as escolas do sistema de ensino timorense têm que ensinar os diversos conteúdos (matemática, ciências, etc) nas línguas oficiais, até porque a LBE foi aprovada em 2008 e na legislatura de 2007-2012 o Parlamento Nacional também aprovou a Resolução nº 20/2011. Mas, como houve uma colega que defendeu uma interpretação diferente, a de que a referência a “línguas de ensino” no artigo 8º significa que “no sistema educativo timorense o tétum e o português são disciplinas ou componentes curriculares“, fiz uma pesquisa rápida na Internet para ver com que significado é que a expressão “línguas de ensino” é usada pelos especialistas no ensino de língua segunda e língua estrangeira.
Eis alguns excertos de documentos que encontrei:

Da Professora Doutora Maria José Grosso:
"Os que são oriundos de países africanos e que têm o português como língua segunda, (acepção de língua de ensino com estatuto oficial, ensinada nas escolas e que participa também na socialização da criança e no seu desenvolvimento cognitivo); estudam português por razões académicas ou profissionais (ou os que em idade escolar estão inseridos no Sistema do Ensino em Portugal). http://mha.home.sapo.pt/imagens/t4.pdf

Ainda segundo Maria José Grosso (et al) no QuaREPE:
“Os conceitos de língua materna, língua estrangeira, língua segunda são conceitos polissémicos que não correspondem a uma definição linear. O conceito de Língua Materna apela ao de língua da socialização, que, por definição, transmite à criança a mundividência de uma determinada sociedade, cujo principal transmissor é geralmente a família. O conceito de Língua Estrangeira facilmente se define como a língua que não faz parte dessa socialização primária, estando subjacente uma série de princípios metodológicos. Na tradição da didáctica das línguas, o conceito de Língua Segunda ocorre frequentemente como a língua que, não sendo materna, é oficial (ou tem um estatuto especial) sendo também a língua de ensino e da socialização secundária. Há, no entanto, alguns autores que consideram que é Língua Segunda desde que os aprendentes estejam em imersão linguística, num contexto em contacto com os falantes nativos da língua que aprendem. Cf. Grosso (2005: 608).”

Diz-nos Marie Quinn num texto de 2008 (Choosing Languages for Teaching in Primary School Classrooms):
In relation to the Portuguese, this position has been further strengthened by the recent educational directive from the MEC. In this, Portuguese is identified to take precedence as the language of education, while Tetum, seen predominantly as an oral language, will serve as an auxiliary language together with mother tongues:

… dado que o Tétum ainda está em processo de desenvolvimento e sendo uma língua predominantemente oral, o Português terá preferência como língua de instrução ou ensino. O Tétum, particularmente, e as demais línguas maternas serão usadas como línguas auxiliares pedagógicas, quando necessário, particularmente nos primeiro anos.

given that Tetum is still in the process of development and being a predominantly oral language, Portuguese will have preference as a language of instruction or teaching language. Tetum, particularly, and the other maternal languages will be used as auxiliary pedagogical languages, when necessary, particularly in the first years.
MEC 2006“

 Do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas:
"No exemplo sumário que se apresenta de seguida, que trata daquilo que pode ser pensado pelas opções ou variações de cenário, são delineados dois tipos de organização e de decisões curriculares para um determinado sistema escolar, de forma a incluir, como acima foi sugerido, duas línguas modernas para além da língua de instrução (convencionalmente, mas de forma errada, referida abaixo como língua nativa, uma vez que todos sabem que a língua do ensino, até na Europa, não é, frequentemente, a língua materna dos alunos): uma língua iniciada na escola primária (língua estrangeira 1, daqui por diante LE1), outra no nível secundário inferior (língua estrangeira 2, daqui por diante LE2) e ainda outra (LE3) como disciplina opcional, no ensino secundário de nível mais avançado." 

De Isabel Leiria:
Não se pense, contudo, que a unanimidade tem sido absoluta entre os africanos (do mesmo modo que não tem sido entre os portugueses), não quanto à opção do português como língua oficial, mas como primeira e única língua de ensino e de alfabetização. (...) Experiências de ensino bilingue têm sido ensaiadas, mas sem grande sucesso. Na Guiné-Bissau, por exemplo, no ano lectivo de 1977/78, com o apoio de Paulo Freire, foram criados Centros de Educação Popular Integrada (CEPI). Foi decidido utilizar "a língua comunitária, o crioulo, como língua de ensino para melhor facilitar a aprendizagem dos conteúdos e a inserção das crianças na escola." Os resultados não foram muito visíveis, porque nas zonas de implantação dos CEPI (manjaca, balanta e bijago) o crioulo não era língua veicular para estas populações, porque se continuava a fazer sentir a influência dos ensinamentos de Amílcar Cabral (a língua oficial é o português) e porque "a população tem uma atitude passiva e às vezes mesmo negativa quanto à introdução do crioulo" (Barreto 2005).”

No documento “Diversidade Linguística na Escola Portuguesa” do ILTEC:
“Por enquanto, em Portugal, todas as aprendizagens (para além das línguas estrangeiras) são feitas em língua portuguesa, mesmo que, através das equivalências, os alunos originários de outros países se possam integrar num qualquer ano do ensino básico sem dominarem, ou dominando mal, a língua de ensino que para eles é língua segunda.”

Portanto, está demonstrado que muitos importantes especialistas usam os termos “língua de ensino” e “língua de instrução” como sinónimos, com o significado de língua em que funciona o sistema educativo. E, de resto, não é apropriado para estudantes destas coisas usar malabarismos terminológicos para tentar convencer os outros das suas opiniões; a pedagogia e a linguística não são como na matemática, em que 2+2 são sempre 4, e basta ler autores como Skinner, Lado, Chomsky, Bley-Vroman, Krashen, Zobl, Schwartz, White, etc, para perceber que há distintas formas de definir os conceitos e muitas teorias diferentes sobre como funciona a aprendizagem da língua segunda (ou aquisição da língua segunda – nem sobre isto os especialistas se entendem).

A política linguística de um país é definida pelos representantes democraticamente eleitos do povo desse país, não por técnicos. O papel dos técnicos é implementar a decisão política. 

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