Há dias participei num debate no Facebook com uns colegas da
área da linguística e ensino sobre o significado do Artigo 8.º da Lei de
Bases da Educação (“Línguas do sistema educativo”), que diz que: ”As línguas de
ensino do sistema educativo timorense são o tétum e o português.” Creio que é
óbvio para quem saiba ler português que a intenção do legislador era dizer que
as escolas do sistema de ensino timorense têm que ensinar os diversos conteúdos
(matemática, ciências, etc) nas línguas oficiais, até porque a LBE foi aprovada
em 2008 e na legislatura de 2007-2012 o Parlamento Nacional também aprovou a
Resolução nº 20/2011. Mas, como houve uma colega que defendeu uma
interpretação diferente, a de que a referência a “línguas de ensino” no artigo
8º significa que “no sistema educativo timorense o tétum e o português são disciplinas
ou componentes curriculares“, fiz uma pesquisa rápida na Internet para ver com
que significado é que a expressão “línguas de ensino” é usada pelos especialistas
no ensino de língua segunda e língua estrangeira.
Eis alguns excertos de documentos que encontrei:
Da Professora Doutora Maria José Grosso:
"Os que são oriundos de países africanos e que têm o
português como língua segunda, (acepção de língua
de ensino com estatuto oficial, ensinada nas escolas e que participa também na
socialização da criança e no seu desenvolvimento cognitivo); estudam
português por razões académicas ou profissionais (ou os que em idade escolar
estão inseridos no Sistema do Ensino em Portugal). http://mha.home.sapo.pt/imagens/t4.pdf
Ainda segundo Maria José Grosso (et al) no QuaREPE:
“Os conceitos de língua materna, língua estrangeira, língua
segunda são conceitos polissémicos que não correspondem a uma definição linear.
O conceito de Língua Materna apela ao de língua da socialização, que, por
definição, transmite à criança a mundividência de uma determinada sociedade,
cujo principal transmissor é geralmente a família. O conceito de Língua
Estrangeira facilmente se define como a língua que não faz parte dessa
socialização primária, estando subjacente uma série de princípios
metodológicos. Na tradição da didáctica
das línguas, o conceito de Língua Segunda ocorre frequentemente como a língua
que, não sendo materna, é oficial (ou tem um estatuto especial) sendo também a
língua de ensino e da socialização secundária. Há, no entanto, alguns
autores que consideram que é Língua Segunda desde que os aprendentes estejam em
imersão linguística, num contexto em contacto com os falantes nativos da língua
que aprendem. Cf. Grosso (2005: 608).”
Diz-nos Marie Quinn num texto de 2008 (Choosing Languages for
Teaching in Primary School Classrooms):
“In
relation to the Portuguese, this position has been further strengthened by the
recent educational directive from the MEC. In this, Portuguese is identified to
take precedence as the language of
education, while Tetum, seen predominantly as an oral language, will serve
as an auxiliary language together with mother tongues:
… dado que o Tétum ainda está em processo de desenvolvimento
e sendo uma língua predominantemente oral, o Português terá preferência como língua de instrução ou ensino. O
Tétum, particularmente, e as demais línguas maternas serão usadas como línguas
auxiliares pedagógicas, quando necessário, particularmente nos primeiro anos.
… given
that Tetum is still in the process of development and being a predominantly
oral language, Portuguese will have preference as a language of instruction or teaching language. Tetum, particularly,
and the other maternal languages will be used as auxiliary pedagogical
languages, when necessary, particularly in the first years.
MEC 2006“
Do Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas:
"No exemplo sumário que se apresenta de seguida, que
trata daquilo que pode ser pensado pelas opções ou variações de cenário, são
delineados dois tipos de organização e de decisões curriculares para um
determinado sistema escolar, de forma a incluir, como acima foi sugerido, duas
línguas modernas para além da língua de
instrução (convencionalmente, mas de forma errada, referida abaixo como língua
nativa, uma vez que todos sabem que a língua do ensino, até na Europa, não é,
frequentemente, a língua materna dos alunos): uma língua iniciada na escola
primária (língua estrangeira 1, daqui por diante LE1), outra no nível
secundário inferior (língua estrangeira 2, daqui por diante LE2) e ainda outra
(LE3) como disciplina opcional, no ensino secundário de nível mais
avançado."
De Isabel
Leiria:
“Não
se pense, contudo, que a unanimidade tem sido absoluta entre os africanos (do
mesmo modo que não tem sido entre os portugueses), não quanto à opção do
português como língua oficial, mas como primeira
e única língua de ensino e de alfabetização. (...) Experiências de ensino
bilingue têm sido ensaiadas, mas sem grande sucesso. Na Guiné-Bissau, por
exemplo, no ano lectivo de 1977/78, com o apoio de Paulo Freire, foram criados
Centros de Educação Popular Integrada (CEPI). Foi decidido utilizar "a
língua comunitária, o crioulo, como língua de ensino para melhor facilitar a
aprendizagem dos conteúdos e a inserção das crianças na escola." Os
resultados não foram muito visíveis, porque nas zonas de implantação dos CEPI
(manjaca, balanta e bijago) o crioulo não era língua veicular para estas
populações, porque se continuava a fazer sentir a influência dos ensinamentos
de Amílcar Cabral (a língua oficial é o português) e porque "a população
tem uma atitude passiva e às vezes mesmo negativa quanto à introdução do
crioulo" (Barreto 2005).”
No documento “Diversidade Linguística na Escola Portuguesa”
do ILTEC:
“Por enquanto, em Portugal, todas as aprendizagens (para
além das línguas estrangeiras) são feitas em língua portuguesa, mesmo que,
através das equivalências, os alunos originários de outros países se possam
integrar num qualquer ano do ensino básico sem dominarem, ou dominando mal, a língua de ensino que para eles é língua
segunda.”
Portanto, está demonstrado que muitos importantes
especialistas usam os termos “língua de ensino” e “língua de instrução” como
sinónimos, com o significado de língua em que funciona o sistema educativo. E,
de resto, não é apropriado para estudantes destas coisas usar malabarismos
terminológicos para tentar convencer os outros das suas opiniões; a pedagogia e
a linguística não são como na matemática, em que 2+2 são sempre 4, e basta ler
autores como Skinner, Lado, Chomsky, Bley-Vroman, Krashen, Zobl, Schwartz, White,
etc, para perceber que há distintas formas de definir os conceitos e muitas
teorias diferentes sobre como funciona a aprendizagem da língua segunda (ou
aquisição da língua segunda – nem sobre isto os especialistas se entendem).
A política linguística de um país é definida pelos
representantes democraticamente eleitos do povo desse país, não por técnicos. O
papel dos técnicos é implementar a decisão política.
Sem comentários:
Enviar um comentário