quarta-feira, janeiro 17, 2007

Tradição

As autoridades locais decidiram mandar pintar passadeiras em várias ruas do centro de Díli. O problema é que se esqueceram de fazer uma campanha de educação rodoviária na televisão e nos jornais para ensinar às pessoas para que servem as ditas. Se os peões descobrirem antes dos condutores a utilidade das passadeiras vai ser uma tragédia. E parece-me que a hecatombe vai começar pelos peões estrangeiros, que - pelo menos na maioria - já sabem qual é o objectivo de uma passadeira. Já estou a imaginar as próximas primeiras páginas do STL: “Durante o dia de hoje morreram mais cinco malais enquanto estavam a atravessar a estrada por cima daquelas riscas brancas que o Governo mandou pintar”.

As regras de trânsito aqui são calmamente ignoradas pela maior parte dos timorenses. No cruzamento de Colmera quem vem do supermercado Fitun Maubara encontra um sinal de STOP. São muito poucos os condutores que aí param, sendo habitual que parem antes os que vêm na estrada de sentido único que vem dos lados do BNU. Também no cruzamento do banco australiano ANZ é normal que os condutores que chegam vindos da rua da Escola Paulo VI prossigam a sua marcha na maior das despreocupações, desrespeitando o sinal de “aproximação de estrada com prioridade” que encontram no caminho. Aí param os que vem da direcção do “galódromo”, apesar de a lei dizer que têm prioridade. Num caso e noutro os sinais são completamente ignorados e o que funciona é a tradição.

Ainda a propósito de tradição, tenho falado com vários timorenses manifestando o meu horror pelo crime hediondo de há alguns dias em Maubara, onde três mulheres da mesma família foram queimadas, assassinadas por serem consideradas bruxas (buan). A maior parte das pessoas reage como se fosse uma coisa natural: “então, mas elas eram buan”. Houve uma pessoa que me disse com toda a calma que alguns populares já tinham tentado queimá-las antes, nos tempos da UNTAET, mas a CIVPOL tinha interferido, impedindo o normal desenrolar da acção do povo. Na ocasião alguém tinha chegado a decepar uma orelha a uma das bruxas mas quando os polícias da ONU iam levá-la para o hospital viram que a orelha já tinha nascido novamente, o que teria causado grande surpresa a esses malais. Depois de várias conversas deste género, encontrei alguém que se solidarizou com o meu horror. “Não era preciso tê-las queimado”, explicou, “bastava ter-lhes pregado um prego na testa”!

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