Durante muitos anos a literatura (não a oratura) de
Timor-Leste era essencialmente em português. Desde há alguns anos têm começado
a aparecer novas obras e autores que se exprimem em tétum. Quando eu era uma criança,
uma professora de português que tive – provavelmente satisfeita pelo facto de
já então eu ser um leitor voraz – escreveu num caderno meu a frase “Um país
faz-se com homens e com livros.”, de Monteiro Lobato (mas que eu durante anos pensei que fosse de Mário Sacramento, um
democrata ilhavense durante a longa noite do fascismo em Portugal). Foi uma
frase que me impressionou muito, e que considero ainda hoje um dos meus motes.
Timor-Leste é para mim a minha terra adoptiva e creio que ninguém pode negar
que o século XX viu nascer neste país homens e mulheres de uma grandeza
excepcional, mas em grande medida ainda faltam os livros. Há alguns, com
destaque para as obras do Takas (Luís Cardoso), mas sendo escritos em
português, que é uma das línguas dos timorenses mas que muitos ainda não
dominam, têm uma penetração reduzida na sociedade. O aparecimento recente de
uma literatura tetumófona permite-nos ter esperança de que as coisas mudem e
que apareça em breve uma geração que lê. E ler em tétum não é nunca um
obstáculo a que se venha a ler em português. Ler em tétum na infância pode
despertar nos miúdos o bichinho dos livros, e quem fica assim cativado nunca
mais vai deixar de querer ler, e quando acabarem de ler os livros em tétum
(qualquer leitor pode ler num espaço de tempo relativamente curto TODOS os
livros em tétum que existem, infelizmente), e continuarem com ânsia de
conhecimento e de emoções, vão ler noutras línguas, começando evidentemente
pela portuguesa.
Irei começar a falar aqui de livros com mais frequência, de
livros de Timor, livros sobre Timor, e de livros em tétum – originais ou em
tradução. Hoje vou começar com uma pequena novela publicada pela ONG Timor Aid
em Novembro de 2012 intitulada “Inan ne’ebé iha bosok ualu” [A mãe que disse
oito mentiras] do escritor timorense de 17 anos de idade Ariel Mota Alves. A
obra obteve um terceiro lugar no concurso literário em tétum organizado
anualmente pela Timor Aid e pela Fundação Alola, de que também já cheguei a ser
membro do júri. Trata-se de um livrinho com uma história mais ou menos linear,
de pendor moralista, mas bastante eficaz na transmissão da sua mensagem. As
personagens principais são Bisoi e o seu filho Atoi, e a história gira em torno
dos desafios que enfrentam ao longo das respectivas vidas. Mãe e filho são
extremamente pobres, mas o sacrifício abnegado da mãe vai criando oportunidades
onde elas não existiam para dar uma vida melhor ao seu menino. Este por seu
lado vai aceitando e beneficiando com isso, e acrescentando o seu esforço ao da
sua progenitora, mas terá que enfrentar também os seus próprios dilemas.
Um livro que, não obstante o enredo pueril, devia ser
amplamente lido pelas crianças e jovens timorenses, como uma chamada de atenção
para os fazer pensar no que os seus pais muitas vezes fazem por eles, e também
como uma homenagem às mulheres deste país. Conheci muitas timorenses com a
fibra desta Bisoi ao longo de mais de uma década em Timor. A literatura não tem
que tentar mudar o mundo, mas pode tentar mudar o mundo. Esta obra, de um
escritor tão jovem, tenta fazer o seu quinhão.