quarta-feira, outubro 17, 2007

Praxe






Sérgio Godinho canta uma canção que me parece ilustrar bem o espírito da praxe:



Maçã com Bicho (acho eu da praxe)




O tempo passa
e lembras com saudade
o saudoso tempo da universidade
foste caloiro
e quintanista
já comes caviar
esquece o alpista






P'ra entrar na universidade
é preciso
prender o humor
na gaiola do riso
ter médias altas
hi-hon, ão-ão
zurrar ladrar
lamber de quatro o chão



Mas há quem ache
graça à praxe
É divertida (Hi-hon)
Lição de vida (Ão-ão)
Maçã com bicho
acho eu da praxe




Chamar-se a si mesmo
besta anormal
dá sempre atenuante ao tribunal
é formativo
p'ró estudante
que não quer ser propriamente
um ignorante


Empurrar fósforos com o nariz
tirar à estupidez a bissectriz
eis causas nobres
estruturantes
eis tradição
sem ser o que era dantes



Mas há quem ache
graça à praxe
É divertida (Hi-hon)
Lição de vida (Ão-ão)
Maçã com bicho
acho eu da praxe
É divertida (Mé-mé)
Lição de vida (Piu-piu)
Maçã com bicho
acho eu da praxe


Não vou usar
mais exemplos concretos
é rastejando
que se ascende aos tectos?
Então vejamos
preto no branco
as cores da razão
porque a praxe eu desanco


Mas há quem ache
graça à praxe
É divertida (Hi-hon)
Lição de vida (Ão-ão)
Maçã com bicho
acho eu da praxe
É divertida (Mé-mé)
Lição de vida (Piu-piu)
Mação com bicho
acho eu da praxe


[ as fotos aqui incluídas têm duas proveniências:

http://abnoxio.weblog.com.pt/arquivo/2006/10/o_verdadeiro_espirito_universi
e
http://adsl.tvtel.pt/antipodas/imagens.htm ]

domingo, outubro 14, 2007

É tempo de praxe

Todos os anos por esta época as universidades portuguesas enchem-se de estudantes que fazem coisas ridículas sob orientação dos seus colegas mais velhos. Esta semana cruzei-me em Aveiro com um longa bicha de caloiros que vinham da ria acartando nas mãos, debaixo do sol, sacos plásticos cheios de lodo. Presumo que a intenção fosse levar aquela porcaria para a Universidade. Em Coimbra, ao pé da escadaria monumental, passei por um estudante com o traje académico que era escoltado ao caminhar por quatro colegas recém-chegados à capital da cultura universitária que o rodeavam de braços estendidos no ar agarrando a capa dele sobre a sua insigne cabeça para que esta não apanhasse sol de mais. Suponho que teria medo que o pequeno cérebro derretesse.
Chamam a isto a praxe, e a justificação dada para que os colegas mais novos se tenham de lhe submeter é a necessidade de “integração”. Só há integração para quem não fizer ondas e aceitar com humildade os tratos de polé. Os caloiros são mandados fazer figura de urso para se poderem integrar, com a promessa de que um dia também poderão ser superiores prepotentes e terão enfim o direito de mandar uma nova geração de inferiores (caloiros/lamas/lodos) fazer por sua vez figuras tristes. É a apologia da humilhação como estratégia pedagógica.
Dizem os praxistas que é bom como aprendizagem para a vida, como preparação para o mundo. Aprende-se assim a respeitar a hierarquia, preparam-se os jovens para um modelo de relações profissionais baseado não no respeito mútuo, mas nas pequeninas e mesquinhas maneiras quotidianas de lembrar quem é o superior. Um modelo onde pouco conta o mérito, onde as ideias novas ou diferentes são malvistas, no qual importante é saber lamber as botas de algum cacique. Aprende-se a obedecer sem questionar. Para que se perpetue uma cultura que promove o medo de ser o destravado da língua que comete a heresia de dizer que o rei vai nu. E que é saneado pela ousadia. A praxe é um reflexo do triste país que temos, portugalzinho no seu pior.

sábado, outubro 06, 2007

Ai a Birmânia...



Em Agosto de 1998 trabalhei como membro do staff de voluntários no Festival Mundial da Juventude que se realizou na Costa da Caparica e que reuniu em Portugal cerca de sete mil jovens de todos os cantos do mundo. Muitos desses jovens estavam mais interessados na praia, concertos, e quecas internacionalistas do que propriamente nas actividades de pendor mais sério, como debates sobre o estado do mundo. Mas ainda assim houve discussões muito participadas. Numa sessão sobre a Birmânia, na qual participámos meia dúzia de gatos-pingados, um jovem birmanês exilado, do movimento pró-democracia, tentava sensibilizar a escassa audiência para a necessidade de apoio à sua causa. Um sujeito do público – creio que era líbio, se bem me recordo – questionava o moço sobre o que era isso da democracia que eles queriam implantar e tentava convencê-lo de que a democracia burguesa de parlamento e multipartidarismo era inimiga do povo. O rapaz explicava-lhe pacientemente que o povo dele só queria a oportunidade de pôr em prática o tipo de democracia que já tinha escolhido nas urnas em 1990, ao votar esmagadoramente na NLD (Liga Nacional para a Democracia). Este partido, cuja Secretária-Geral, Daw Aung San Suu Kyi, viria a ser Prémio Nobel da Paz em 1991, ganhou as eleições livres (as primeiras em três décadas) que então se realizaram com mais de 80% dos lugares no Parlamento (392 lugares em 485). Uma outra coligação pró-democracia, composta por partidos formados com base nas diversas etnias minoritárias, ganhou mais 49 lugares no Parlamento (10% dos votos), e o partido que representava a junta militar no poder só conseguiu 10 lugares. A resposta da junta foi perseguir, prender, torturar e matar muitos dos eleitos, e reforçar a mão-de-ferro com que controla o país. A Frente Democrática dos Estudantes de Toda a Birmânia publicou em 98 um livro onde apresenta os detalhes sobre o que aconteceu a cada um destes deputados. Aung San Suu Kyi continua actualmente em prisão domiciliária (onde de resto tinha sido colocada pelo regime durante a campanha eleitoral para as eleições de 1990).
As recentes manifestações lideradas pelos monges budistas abriram uma nova janela de esperança para os povos da Birmânia. Se esta esperança se concretizará ou não depende em grande medida das pressões que a comunidade internacional (incluindo a China) decida fazer.

Contacto

Caros amigos, para aqueles que protestam porque eu não respondo aos vossos e-mails, trago boas novas. É que agora passo a ter acesso à internet sem ter que depender das idas à Biblioteca Municipal de Ílhavo (que tem excelentes instalações - tomara eu que os meus alunos em Timor pudessem frequentar uma biblioteca assim) ou de visitas à família (do tipo "vim cá visitar-vos e ver se estão todos bem e, a propósito, posso usar a internet para mandar um mail só por um bocadinho?").
Portanto, contactem, digam coisas...