sábado, outubro 06, 2007

Ai a Birmânia...



Em Agosto de 1998 trabalhei como membro do staff de voluntários no Festival Mundial da Juventude que se realizou na Costa da Caparica e que reuniu em Portugal cerca de sete mil jovens de todos os cantos do mundo. Muitos desses jovens estavam mais interessados na praia, concertos, e quecas internacionalistas do que propriamente nas actividades de pendor mais sério, como debates sobre o estado do mundo. Mas ainda assim houve discussões muito participadas. Numa sessão sobre a Birmânia, na qual participámos meia dúzia de gatos-pingados, um jovem birmanês exilado, do movimento pró-democracia, tentava sensibilizar a escassa audiência para a necessidade de apoio à sua causa. Um sujeito do público – creio que era líbio, se bem me recordo – questionava o moço sobre o que era isso da democracia que eles queriam implantar e tentava convencê-lo de que a democracia burguesa de parlamento e multipartidarismo era inimiga do povo. O rapaz explicava-lhe pacientemente que o povo dele só queria a oportunidade de pôr em prática o tipo de democracia que já tinha escolhido nas urnas em 1990, ao votar esmagadoramente na NLD (Liga Nacional para a Democracia). Este partido, cuja Secretária-Geral, Daw Aung San Suu Kyi, viria a ser Prémio Nobel da Paz em 1991, ganhou as eleições livres (as primeiras em três décadas) que então se realizaram com mais de 80% dos lugares no Parlamento (392 lugares em 485). Uma outra coligação pró-democracia, composta por partidos formados com base nas diversas etnias minoritárias, ganhou mais 49 lugares no Parlamento (10% dos votos), e o partido que representava a junta militar no poder só conseguiu 10 lugares. A resposta da junta foi perseguir, prender, torturar e matar muitos dos eleitos, e reforçar a mão-de-ferro com que controla o país. A Frente Democrática dos Estudantes de Toda a Birmânia publicou em 98 um livro onde apresenta os detalhes sobre o que aconteceu a cada um destes deputados. Aung San Suu Kyi continua actualmente em prisão domiciliária (onde de resto tinha sido colocada pelo regime durante a campanha eleitoral para as eleições de 1990).
As recentes manifestações lideradas pelos monges budistas abriram uma nova janela de esperança para os povos da Birmânia. Se esta esperança se concretizará ou não depende em grande medida das pressões que a comunidade internacional (incluindo a China) decida fazer.

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