domingo, outubro 14, 2007

É tempo de praxe

Todos os anos por esta época as universidades portuguesas enchem-se de estudantes que fazem coisas ridículas sob orientação dos seus colegas mais velhos. Esta semana cruzei-me em Aveiro com um longa bicha de caloiros que vinham da ria acartando nas mãos, debaixo do sol, sacos plásticos cheios de lodo. Presumo que a intenção fosse levar aquela porcaria para a Universidade. Em Coimbra, ao pé da escadaria monumental, passei por um estudante com o traje académico que era escoltado ao caminhar por quatro colegas recém-chegados à capital da cultura universitária que o rodeavam de braços estendidos no ar agarrando a capa dele sobre a sua insigne cabeça para que esta não apanhasse sol de mais. Suponho que teria medo que o pequeno cérebro derretesse.
Chamam a isto a praxe, e a justificação dada para que os colegas mais novos se tenham de lhe submeter é a necessidade de “integração”. Só há integração para quem não fizer ondas e aceitar com humildade os tratos de polé. Os caloiros são mandados fazer figura de urso para se poderem integrar, com a promessa de que um dia também poderão ser superiores prepotentes e terão enfim o direito de mandar uma nova geração de inferiores (caloiros/lamas/lodos) fazer por sua vez figuras tristes. É a apologia da humilhação como estratégia pedagógica.
Dizem os praxistas que é bom como aprendizagem para a vida, como preparação para o mundo. Aprende-se assim a respeitar a hierarquia, preparam-se os jovens para um modelo de relações profissionais baseado não no respeito mútuo, mas nas pequeninas e mesquinhas maneiras quotidianas de lembrar quem é o superior. Um modelo onde pouco conta o mérito, onde as ideias novas ou diferentes são malvistas, no qual importante é saber lamber as botas de algum cacique. Aprende-se a obedecer sem questionar. Para que se perpetue uma cultura que promove o medo de ser o destravado da língua que comete a heresia de dizer que o rei vai nu. E que é saneado pela ousadia. A praxe é um reflexo do triste país que temos, portugalzinho no seu pior.

7 comentários:

Anónimo disse...

concordo contigo.

Anónimo disse...

Caro J.P.,

Esta é uma contestação por demais silenciada.
Em 2005 o I P Bragança tinha eleições para Presidente, e eu lancei o desafio no mail geral@ipb para que se marcasse a diferença, criando um cidade livre de praxes.
À "provocação" responderam apenas Prof. Doutores, pedagogos. E, pelos comentários, vá lá saber-se em que manuais de Pedagogia encontram eles a recomendação para tais práticas...

Transcrevo, abaixo, o que então publiquei no meu Blog. É longo.
Corta por onde quiseres.

Boas escritas,

A.A.
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Segunda-feira, Novembro 28, 2005

REFLEXÃO

“Quando fizermos uma reflexão sobre o nosso séc. XX, não nos parecerão muito graves os feitos dos malvados, mas sim o escandaloso silêncio das pessoas boas”.

Martin Luther King
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O tribunal de Santarém promete julgar os praxadores da Escola Agrária da mesma cidade.
Usando as palavras do jornal onde foi publicada a notícia, trata-se de um “acórdão inédito”.
(JN, 22.Nov.05)

Desejamos que se repitam, decisões destas.


# posted by indigena @ 8:13 AM

Segunda-feira, Novembro 14, 2005

CIDADE LIVRE DE PRAXES

“Aquel que no quiso
Recurrir al recurso del silencio
Cuando ya no quedaban palabras por aquí”.

J.M. Caballero Bonald, poeta infractor

Porque o “exemplo”, das inextinguíveis praxes, ocorreu no IPBragança (podia ter sido em Faro), resolvi lançar a provocação, num mail-list geral@.
Os únicos dois intervenientes que reagiram à provocação (o IPB têm cerca de 300 docentes) são professores na ESEducação. O primeiro deles é também colunista num jornal regional. E a sua “força” de intervenção terá inibido os demais.
Nesta troca de mails, ficou por lhes perguntar a referência do manual de pedagogia que recomenda tais práticas.
Transcrevo as intervenções, para perceber por que caminhos andam os nossos pedagogos, e não só!
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EU:
Amanhã, na RTP2, às 22H35, no "Diga Lá Excelência", o Ministro Mariano Gago fala de Bragança... Infelizmente... como poderão ouvir. O tema: as praxes!
Seria interessante ouvir, no debate público desta segunda-feira às 17H, a opinião dos 3 candidatos à presidência do IPB sobre estas práticas degradantes e primitivas.
Eu sugiro, para pôr Bragança no mapa, que passe a ser declarada "CIDADE LIVRE DE PRAXES". Talvez assim possamos marcar a diferença...
[A entrevista ocorreu dia 6. Nov. e foi transcrita no jornal Público do dia 7]
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Primeiro interveniente:

«« Secundando A.A., é importante reflectir sobre as praxes e sobre o que elas podem e devem ser. É evidente que os três candidatos devem pronunciar-se sobre o tema mas chamo a atenção para o facto de que o Ministro não disse onde se tinha passado o problema: Bragança, Mirandela, Macedo de Cavaleiros ou Miranda do Douro são cidades com ensino superior. O Ministro só disse em Bragança. Eu entendi Distrito de. Veremos então hoje, às 22h35, o que diz mais o Ministro.
(…) nem todas são práticas neofascistas e neonazis. (…)
As praxes, se conduzidas por pessoas idóneas e boas, podem ser óptimos processos de integração social. [sublinhado meu] »»
………………………

Segundo interveniente:

«« Ainda bem que alguém se lembrou de falar na entrevista do Ministro, pois, assim, mais gente teve, certamente, o cuidado de a ouvir. Creio que, no que respeita ao problema das praxes, o essencial já foi dito pelo anterior interveniente. Para lá de uma posição preventiva e reeducativa, trata-se, como disse o Ministro, de cumprir e fazer cumprir a lei e estimular a coragem dos «iniciados» a denunciarem as situações abusivas. »»
………………………………..
EU, de novo:
(…) não vale a pena alimentar diálogos de fórum a três. Percebe-se a incomodidade deste assunto, até quando o programa foi anunciado na véspera dizendo apenas “Ministro Mariano Gago critica as praxes”. Também porque não poderei assistir ao debate. E porque sei que uma só vontade, do candidato vencedor, não será suficiente para a mudança, perante o imobilismo dos demais.
Há muito mais a dizer certamente sobre as praxes, em outra oportunidade. Contraponho só ao discurso maioritário as palavras de
Eduardo Prado Coelho, Ana Sá Lopes, José Pacheco Pereira, Inês Pedrosa, Graça Franco, Rodrigo Guedes de Carvalho, Manuel António Pina, entre outros. Podem ser lidas em
http://adsl.tvtel.pt/antipodas/cronicas.htm

Aos candidatos, bom debate!

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A última intervenção, neste mini-forum, é do segundo interveniente. Comparem com as palavras de anterior intervenção…

Segundo interveniente:
«« Olá!
1. Na verdade, depois de ouvir a entrevista do ministro, o que lhe devo a si, caso contrário andaria distraído e deixava a hora passar, senti a responsabilidade de sugerir no geral os problemas nucleares para reflexão. Receei, com efeito, que o tema das praxes viesse ocupar o terreno, já que sobre isso toda a gente sabe mandar palpites e nem toda a gente reflecte profundamente o problema. Sem dúvida que o considero importante. Uma profunda análise conduz-nos ao âmago da essência e da natureza humana (se é que esta existe), às estruturas do poder e sobretudo do gozo (la jouissance) que está presente nos comportamentos humanos que estravasam o domínio da racionalidade. (…)
3. Sei, pela análise do seu discurso, que deve ser das pessoas a quem menos precisaria de referir isto, porque percebi que o entendeu em toda a sua plenitude. Há porém muitos colegas nossos que continuam na infertilidade dos discursos critico-radicais e mesmo niilistas, quando temos todos de passar ao incomodativo, mas profícuo, plano da acção.
4. Já agora agradeço também a sugestão dos artigos que indicou. Já li alguns dels e achei-os muito interessantes. As minhas saudações »»


# posted by indigena @ 8:53 PM

Grupo de Acção Estudantil do ISCTE disse...

olá!
o teu post foi-nos colocado por um anónimo numa caixa de comentários no nosso blog.
ainda bem!
vai lá dar uma espreitadela...e quem sabe escreves qualquer coisa, directamente!
margarida

http://gae-iscte.blogspot.com/2007/10/carta-aberta-ao-presidente-do-iscte.html

Anónimo disse...

Pois,pois já não te lembras das cenas que obrigava-mos o Xã a fazer na saudosa rua de espinheiro, meu cão danado.
De qualquer maneira acho que tens toda a razão em relação ás praxes, acho que haviam de ser mais de cariz sexual. Gaijos com Gaijas.....isso é que era integração.era ouvi-las a gritar: integra-me fundo, amor.Um abraço do sempre amigo.......BMMS.

P.S desculpa lá a tentativa de abandalhar o teu blog, mas foi mais forte que eu.

Anónimo disse...

O medo faz parte do reino do Mal e tudo o mais a ele ligado.
Estas universidades não merecem ter alunos.
Boicotem-nas em vez de se queixarem.
Para que é que precisam de andar na universidade?
Só para andarem a dar dinheiro a gente que vende diplomas? Uns mais facilmente que outros...
Para que vos serve o curso?
Para ficarem totalmente incapacitados pela arrogancia, com a cabeça cheia de detalhes excessivos e de palha e por isto não perceberem nada do que é a realidade?

João Paulo Esperança disse...

BMMS,
Bruno, és sempre o mesmo...
:-) Sou inocente do que quer que fosse que fazias ao Xã, porque nos tempos da Rua de Espinheiro andávamos na escola primária e eu era um verdadeiro anjinho, uma criancinha muito bem comportada.

Mas depois cresci e não sou isento de culpas em relação a isto da praxe. Quando saí da tropa fui morar para uma residência universitária e aí uma vez numa noite em que estava a decorrer a praxe aos novos residentes também andei a mandar uns colegas fazer umas flexões de braços - a minha desculpa é que ainda devia andar meio perturbado das ideias por causa da tropa... Só que depois senti-me idiota e tornei-me anti-praxista. Na Faculdade nunca praxei ninguém. E na escola primária também não...

J.Pierre Silva disse...

Sobre este e outros assuntos correlacionados: http://notasemelodias.blogspot.com/2008/09/notas-sobre-praxes-e-praxe.html