Há uns anos atrás publiquei no jornal timorense “Semanário” um texto em que falava sobre erros habituais na comunicação social na denominação em tétum dos ministérios do Estado timorense. Dava o exemplo do “*Ministériu Educasaun Cultura Juventude no Desporto”, em que a palavra “Ministériu” está escrita em tétum, “Cultura” em português e “*Educasaun” em língua nenhuma, porque em português seria “Educação” e em tétum “Edukasaun”.
Sendo o tétum uma das línguas oficiais de Timor-Leste deveria haver uma designação oficial das instituições do Estado também nesta língua. Tomemos agora como exemplo o “Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação”. Como designá-lo em tétum? Fui procurar nos meus arquivos designações deste ministério e/ou ministro.
STL,18-06-2003,p.6 – *Ministru Negosius Estrangeirus no Kooperasaun
STL,23-10-2003,p.6 – *Ministru dos Negosios Estranjeirus no Kooperasaun e, no mesmo texto, *Ministru Negosius Estranjeirus
STL,29-10-2003,p.1 – *Ministru Negosiu Estrangeiru no Kooperasaun
Jornal Nacional Diário,03-03-2006,p.7 – *Ministru dos Negocius Estranjeirus
Jornal Nacional Diário,22-03-2006,p.2 – *Ministru Negocius Estranjeirus no Koperasaun
Timor Post,11-05-2006,p.1 – *Ministru Negocios Estrangeiros no Cooperasaun
A versão bilingue do livro de António Veladas “Timór Terra Sentida” (Publ. Europa-América, 2001) chama-lhe “Ministériu Asuntu Li’ur nian”. Creio que este livro será leitura obrigatória nos estudos académicos que vierem a existir sobre a tradução em tétum, por ter sido uma das primeiras obras integralmente traduzidas para a língua, por ter usado já a ortografia oficial do INL e por a tradução ter estado a cargo de um dos mais importantes linguistas timorenses, o Professor Benjamim Corte-Real (curiosamente não há qualquer referência ao tradutor na ficha técnica). O tradutor que trabalha nestas circunstâncias é um pioneiro, um explorador que de catana na mão vai abrindo novos caminhos na selva virgem. Em idiomas com uma antiga tradição de tradução muito foi feito pelos que vieram antes, há que repetir apenas o procedimento, mas em línguas ágrafas, ou quase, ele vê-se na posição de ter que decidir qual a forma melhor para traduzir pela primeira vez uma dada expressão ou palavra. Nenhum tradutor de inglês, francês ou indonésio precisará de pensar duas vezes ao substituir “Ministério dos Negócios Estrangeiros” por “Ministry of Foreign Affairs” (1), “Ministère des Affaires Étrangères” ou “Departemen Luar Negeri”, mas o profissional consciente que trabalha com o tétum poderá ter que parar e reflectir antes de decidir qual será a melhor tradução possível. Na ausência de um nome oficial da instituição em tétum, os jornais timorenses frequentemente inventam, como já vimos. No "Lia Foun", um projecto bilingue pioneiro que existiu em 2005, houve uma decisão da redacção (tradutores incluídos) de manter os nomes oficiais em português dos ministérios mesmo nos textos em tétum, enquanto não houvesse decisão sobre as designações oficiais neste idioma, e também como forma de educar o público (afinal o português também é língua oficial do país e não merece ser mutilado como habitualmente é nos média de Timor-Leste).
Entretanto, enquanto pensava sobre estas questões, lembrei-me das brincadeiras que Umberto Eco faz com traduções e retroversões de textos clássicos no Babel Fish, no livro "Mouse or Rat – Translation as Negotiation" (Phoenix, 2004, p.10-18). Um dos textos que ele usa é constituído pelos sete primeiros versículos do Génesis de uma versão da Bíblia em inglês (a King James Bible), que ele depois traduz para diferentes línguas para mostrar alguns pontos sobre questões teóricas da tradução. Os resultados são, como seria de esperar, no mínimo estranhos. Então resolvi levar o Ministério dos Negócios Estrangeiros para o Babel Fish…
Traduzi primeiro “Ministério dos Negócios Estrangeiros” para inglês e obtive “*Ministry of the Foreign affairses”. Como não conhecia a palavra “*affairses” fui ao Google ver se havia quem conhecesse. 867 ocorrências, o que significa que há pelo menos este número de nabos na Internet. Uma delas é um comentário a uma notícia sobre Timor escrito por um autodenominado “Maubere” que andou a traduzir as suas opiniões para um monte de línguas, provavelmente no Babelfish também, e lá aparecem os “*affairses” rodeados de caracteres chineses (外国affairses的先生部长 葡萄牙语), o que mostra que o programa não reconhece as suas próprias criações lexicais. A seguir, pedi a tradução para português do “*Ministry of the Foreign affairses” e obtive “*Ministry dos affairses extrangeiros”. Comecei a achar que o Babel Fish tinha aprendido português nos jornais timorenses.
Lembrei-me então de ir lá com o “Ministério das Relações Exteriores” dos nossos irmãos brasileiros. Choque! O Babel Fish sabe o que é e apresentou de imediato a tradução para americano ver: “Department of state”. Fiz a retroversão e… “Departamento de estado”, que é como em português se chama o equivalente deste ministério nos EUA.
Tentei então em francês. Perfeito!
Sendo o tétum uma das línguas oficiais de Timor-Leste deveria haver uma designação oficial das instituições do Estado também nesta língua. Tomemos agora como exemplo o “Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação”. Como designá-lo em tétum? Fui procurar nos meus arquivos designações deste ministério e/ou ministro.
STL,18-06-2003,p.6 – *Ministru Negosius Estrangeirus no Kooperasaun
STL,23-10-2003,p.6 – *Ministru dos Negosios Estranjeirus no Kooperasaun e, no mesmo texto, *Ministru Negosius Estranjeirus
STL,29-10-2003,p.1 – *Ministru Negosiu Estrangeiru no Kooperasaun
Jornal Nacional Diário,03-03-2006,p.7 – *Ministru dos Negocius Estranjeirus
Jornal Nacional Diário,22-03-2006,p.2 – *Ministru Negocius Estranjeirus no Koperasaun
Timor Post,11-05-2006,p.1 – *Ministru Negocios Estrangeiros no Cooperasaun
A versão bilingue do livro de António Veladas “Timór Terra Sentida” (Publ. Europa-América, 2001) chama-lhe “Ministériu Asuntu Li’ur nian”. Creio que este livro será leitura obrigatória nos estudos académicos que vierem a existir sobre a tradução em tétum, por ter sido uma das primeiras obras integralmente traduzidas para a língua, por ter usado já a ortografia oficial do INL e por a tradução ter estado a cargo de um dos mais importantes linguistas timorenses, o Professor Benjamim Corte-Real (curiosamente não há qualquer referência ao tradutor na ficha técnica). O tradutor que trabalha nestas circunstâncias é um pioneiro, um explorador que de catana na mão vai abrindo novos caminhos na selva virgem. Em idiomas com uma antiga tradição de tradução muito foi feito pelos que vieram antes, há que repetir apenas o procedimento, mas em línguas ágrafas, ou quase, ele vê-se na posição de ter que decidir qual a forma melhor para traduzir pela primeira vez uma dada expressão ou palavra. Nenhum tradutor de inglês, francês ou indonésio precisará de pensar duas vezes ao substituir “Ministério dos Negócios Estrangeiros” por “Ministry of Foreign Affairs” (1), “Ministère des Affaires Étrangères” ou “Departemen Luar Negeri”, mas o profissional consciente que trabalha com o tétum poderá ter que parar e reflectir antes de decidir qual será a melhor tradução possível. Na ausência de um nome oficial da instituição em tétum, os jornais timorenses frequentemente inventam, como já vimos. No "Lia Foun", um projecto bilingue pioneiro que existiu em 2005, houve uma decisão da redacção (tradutores incluídos) de manter os nomes oficiais em português dos ministérios mesmo nos textos em tétum, enquanto não houvesse decisão sobre as designações oficiais neste idioma, e também como forma de educar o público (afinal o português também é língua oficial do país e não merece ser mutilado como habitualmente é nos média de Timor-Leste).
Entretanto, enquanto pensava sobre estas questões, lembrei-me das brincadeiras que Umberto Eco faz com traduções e retroversões de textos clássicos no Babel Fish, no livro "Mouse or Rat – Translation as Negotiation" (Phoenix, 2004, p.10-18). Um dos textos que ele usa é constituído pelos sete primeiros versículos do Génesis de uma versão da Bíblia em inglês (a King James Bible), que ele depois traduz para diferentes línguas para mostrar alguns pontos sobre questões teóricas da tradução. Os resultados são, como seria de esperar, no mínimo estranhos. Então resolvi levar o Ministério dos Negócios Estrangeiros para o Babel Fish…
Traduzi primeiro “Ministério dos Negócios Estrangeiros” para inglês e obtive “*Ministry of the Foreign affairses”. Como não conhecia a palavra “*affairses” fui ao Google ver se havia quem conhecesse. 867 ocorrências, o que significa que há pelo menos este número de nabos na Internet. Uma delas é um comentário a uma notícia sobre Timor escrito por um autodenominado “Maubere” que andou a traduzir as suas opiniões para um monte de línguas, provavelmente no Babelfish também, e lá aparecem os “*affairses” rodeados de caracteres chineses (外国affairses的先生部长 葡萄牙语), o que mostra que o programa não reconhece as suas próprias criações lexicais. A seguir, pedi a tradução para português do “*Ministry of the Foreign affairses” e obtive “*Ministry dos affairses extrangeiros”. Comecei a achar que o Babel Fish tinha aprendido português nos jornais timorenses.
Lembrei-me então de ir lá com o “Ministério das Relações Exteriores” dos nossos irmãos brasileiros. Choque! O Babel Fish sabe o que é e apresentou de imediato a tradução para americano ver: “Department of state”. Fiz a retroversão e… “Departamento de estado”, que é como em português se chama o equivalente deste ministério nos EUA.
Tentei então em francês. Perfeito!
“Ministério dos Negócios Estrangeiros” > “Ministère des Affaires Étrangères” > “Ministério dos Negócios Estrangeiros”
Fui lá novamente com a designação brasileira, confesso que com uma esperançazinha de que o Babel Fish francês manifestasse por eles o mesmo desprezo que o seu congénere inglês mostrou por nós. Mas não, uma pequena discrepância apenas, normal nisto de máquinas de tradução burras.
“Ministério das Relações Exteriores” > “Ministère des Relations Extérieures” > “Ministério das Relações Externas”
Das duas uma, ou os franceses sabem mais de geografia e de relações internacionais do que os americanos ou então lembram-se de nós por causa das porteiras e mulheres-a-dias.
E a tradução para tétum, que é por onde tínhamos começado? Analisemos então os elementos do problema. Se optássemos, como tem feito a imprensa, por adaptar a designação portuguesa, haveria que ser coerente com a ortografia. Teríamos então “Ministériu Negósiu Estranjeiru no Kooperasaun nian” ou “Ministériu Negósiu Estranjeiru no Kooperasaun sira-nian”. Mas não fiquemos por aqui. Quais são os elementos que compõem o nome do ministério? “Cooperação” pode nalguns contextos ser traduzida por “serbisu lisuk”, mas aqui parece-me que “kooperasaun” não seria contestada por ninguém. “Estrangeiro” já é diferente, podemos falar em “tasi-balun”, “li’ur”, “rai-li’ur” (por oposição a “rai-laran”, “doméstico”, “interior”), “rain-seluk”,… O Dicionário de Tétum do INL usa o neologismo “makli’ur”, com recurso à morfologia tradicional do tétum téric, com o significado de “exterior” ou “externo”. Finalmente a palavra “negócio”, ou em tétum “negósiu”, que em Timor é usada mais no sentido económico, como sinónimo do termo indonésio “bisnis”, que ainda se ouve muito, e que pode no caso ser perfeitamente substituída por “asuntu”, como vimos acima. Daqui surgem várias designações alternativas possíveis, versões divergentes das formas portuguesas, como por exemplo:
“Ministériu Asuntu Li’ur no Kooperasaun nian”
“Ministériu Asuntu Tasi-Balun no Kooperasaun nian”
“Ministériu Asuntu Rai-Li’ur no Kooperasaun nian”
“Ministériu Asuntu Makli’ur no Kooperasaun sira-nian”
“Ministériu Negósiu Makli’ur no Kooperasaun sira-nian”
Como vê o meu caro leitor, a tarefa do tradutor é espinhosa, de partir pedra para abrir caminho, e seria de facto útil que o Estado aprovasse uma lista oficial com os nomes dos Ministérios e Secretarias de Estado em tétum. Mas não se pense que é preciso a toda a força encontrar denominações vernáculas que substituam os empréstimos lexicais do português. Numa aula em que discutíamos as opções dos puristas para o desenvolvimento do tétum, propus aos alunos que traduzissem sem usar palavras de origem portuguesa a seguinte frase, sabendo ser esta uma tarefa impossível:
“A roda do meu carro tem um furo.”
Várias vozes tentaram fazer a tradução em voz alta, evitando os termos “roda” e “karreta”. Então uma moça começou, pensando à medida que falava:
- “Ha’u-nia buat ne’e ne’ebé ema sa’e nia buat-kabuar iha kuak.”
Quando terminou toda a sala explodiu numa gargalhada, e ela, compreendendo de repente a interpretação que estavam a fazer, ficou vermelha como um tomate. O que ela disse, numa tradução livre, foi algo como: “A minha coisa para cima da qual se pode subir (montar) tem uma coisa redonda que tem um buraco”. Às vezes é melhor usar os empréstimos lexicais mesmo…
(1) Ou “Ministry of External Affairs” ou “Ministry of External Relations”.
(1) Ou “Ministry of External Affairs” ou “Ministry of External Relations”.
ola joão gosto de ler seus apontamentos sobre o Tetun e Portugues..aquela do furo na roda depois de ler a tradução estive a rir um bocado coitada da sua aluna hahahah.... Vejo que o joão deve de ser um bom falante de tetun...eu aprendi a falar mais ou menos bem o tetun passados 41anos de estar em portugal fui esquecendo...agora falo mas é um tetun trapalhão ....cá em casa tenho o dicionario de tetun portugues do autor LUIS COUTO,mas a minha cabeça já não dá para decorar.... um abraço LUIS NA COSTA DA CAPARICA....
ResponderEliminarQue interessante!!!
ResponderEliminar(ah! e muito obrigada pelo link, que retribuirei!!)
JP: não se preocupe com as traduções.
ResponderEliminarDo rol de possíveis traduções que propõe de "Min. Neg. Estr." para Tétum, tudo é possível. É que todas elas são sinónimas, o que as faz perfeitamente inteligíveis para qualquer falante de Tétum.
Outra coisa completamente diferente é a designação oficial do Ministério em Tétum. Essa sim, só poderá ser uma. Mas compete às autoridades definirem qual a designação oficial, algo que penso não estar feito ainda. Até lá, já sabe...